terça-feira, 21 de dezembro de 2010

XXXIV – Conclusões (Parte II)

Por conta das finais do Campeonato Universitário, Pedro estava atolado de tarefas e matérias acumuladas. Uma vez que o semestre estava terminando, o clube de Desiderata deixou que ele fizesse as provas finais na UFEB, antes de transferir sua matrícula. Isso nos deu um pouco mais de tempo. Ele cursaria apenas mais meio ano na UniDes e então estaria formado. Meu zagueiro-engenheiro!


Na tentativa de amenizar a situação para ele, encarreguei-me da nossa mudança. Passei alguns dias agilizando os meios para nossa partida. Com a indicação de tia Deborah, contratei um bom corretor para providenciar uma casa na nova cidade, mesmo que não fosse definitiva.


Eu e meu irmão debatemos intensamente sobre a melhor maneira de dar a notícia a Dora e Dr. Olívio, porém nunca chegávamos a nenhum consenso. Não tememos mais a falta de apoio, entretanto almejamos amenizar o sofrimento que será para ambos, a distância de seus filhos.


Com meus amigos também envolvidos demais em estudos pela proximidade das provas finais, eu tinha que me virar sem companhia. E assim passava a maior parte do tempo. Isso tornava a maioria das minhas atividades um tanto sem graça, como fazer compras, por exemplo.


Precisava comprar agasalhos para mim e para o Pedro, pois Desiderata tinha um inverno muito mais rigoroso que Belladonna. Isso também me lembrou que deveria comentar com o corretor sobre a necessidade de a nova casa possuir aquecimento. Gosto de andar a vontade e seria impossível sem um sistema de calefação.


Estava anoitecendo quando regressei. Pedro ficaria até mais tarde estudando com o Zeca na casa de outro colega que agora não conseguia lembrar o nome, então resolvi dar uma volta pelo Campus. É. Nunca foi do meu feitio, mas apesar das lembranças ruins, havia muitas outras boas recordações para contrabalançar e eu sentiria saudade daquele lugar.


Deixei as sacolas e a bolsa na sala mesmo e saí para o sereno. Arrumaria tudo após o jantar ou quando acordasse pela manhã. À noite era mais tranquilo de se caminhar, com o campus mais vazio. Verdade que eu também não fazia a menor questão de encontrar a grande maioria de meus colegas.


Passei pela biblioteca, pelo Centro Acadêmico, pela cafeteria. Não sabia ao certo se desejava parar em algum lugar ou simplesmente seguir sem rumo. Das poucas pessoas com quem cruzava pelo caminho, algumas me reconheciam e apontavam ou cochichavam. Outras nem tomavam conhecimento. Agora, nenhuma delas me importava.


Eu havia saído sem relógio e sem celular, portanto não sabia quanto tempo tinha caminhado, quando cheguei à parte menos nobre do Campus. Reconheci a fachada da República Velha, a mesma onde moravam Penélope, Zeca e outros amigos de meu irmão. Era o momento de retornar. Nunca gostei daquele lugar, e minha opinião não tinha mudado quanto a isso. Porém, se eu atravessasse o quarteirão, o percurso de volta pela via oposta seria mais curto.


Às vezes – só às vezes –, devíamos dar um pouco mais de atenção à nossa intuição.


Estava escuro e aconteceu tão rápido que não vi de que forma minha cabeça bateu no muro de um antigo e já desativado estacionamento, alguns metros à frente da república, me deixando momentaneamente tonta. Demorei a perceber que estava sendo prensada.
– Que merda você tem na cabeça, loira?! – Chegava a ser irônico que justamente Eduardo estivesse perguntando para mim.


– Você me machucou... – Não pensei em nada melhor para falar.
– Ué, e você não achou bom, gostosa! Tem cara de que é chegada nuns tapas! Pelo menos sua cara pede alguns... Eu também estou com bom motivos para te bater!


– Eu não sei o que te fiz, Eduardo me solta!
– Por que você tinha que se meter onde não foi chamada, sua vadia? Que tipo de idiotice loira você foi dizer pra Fefê?


– Eu não disse nada que já não tivesse dito pra você! Está doente! Bateu numa mulher que gosta de você! Eu não entendo como ela pode, mas gosta!
– Não foi de propósito! E você não tem nada a ver com isso! NADA! – Exclamou exaltado, imputando mais força em seus braços, que imobilizavam os meus.


– Agora está me machucando sem querer também?
– Cala boca, vagabunda! – Ele me soltou para socar a parede, tirando um fino do meu rosto. E nem pareceu se abalar.


Tentei manter a calma. O que Eduardo poderia fazer ali? Não estávamos tão distante da república, se eu gritasse talvez alguém lá dentro pudesse escutar. Ainda assim, preferia resolver tudo sem escândalo.
– O que quer de mim, afinal? Um pedido de desculpas? Que eu fale pra Fernanda que é um bom rapaz e eu estava apenas com ciúmes?


– Deixa de ser debochada, que você não está em condições de negociar... Eu quero o que sempre quis, loira... Com a diferença que desta vez preciso te dar uma lição, então pode ser que doa um pouquinho!

Enquanto dizia, investia sua boca contra o meu pescoço e me comprimia ainda mais contra a parede.


Meu estômago embrulhou. Ele teria mesmo coragem?
– Chega, Eduardo! Pára ou eu vou gritar! – Ameacei.
– Pode gritar... Você não percebeu? Está rolando uma festinha na república, gente bebendo, falando alto, música tocando no volume máximo... Duvido muito que te ouçam...


Sutilmente – para não irritá-lo ainda mais – empurrei o corpo de Eduardo e apurei os ouvidos para consegui escutar o som que as paredes da república abafavam do outro lado. A lâmpada do poste mais próximo ainda estava queimada. Não havia nada a meu favor.
– Porque está fazendo isso? Pedro me disse que você não é violento no campo... Então... Porque é tão agressivo comigo? Aliás, qual é o seu problema com as mulheres?


Assim que o encarei, arrependi-me de minha pergunta. Sua expressão estava furiosa.
– Eu não tenho problema nenhum com mulheres, Léo! Eu sei muito bem do que vocês gostam! Vocês são todas iguais... Algumas apenas fingem serem puras ou inocentes... Mas não você... É isso que me deixa louco, loira... Você cheira a sexo e não faz questão nenhuma de esconder.


Eduardo voltou a me agarrar e quando pensei que não haveria mais saída, uma voz salvadora veio ao nosso encontro.
– Certo, idiota... Agora chega! Tire as mãos de cima dela!


Eu nunca tinha visto o Zeca tão nervoso. Eduardo não contava com a presença de ninguém e me largou para encará-lo.
– Escuta, nerd! Não tem nada aqui pra você, eu e Léo estamos tendo uma conversa particular...
– Mentira! – Exclamei em desespero.
– Vem, Léo... – Zeca me chamou esticando seu braço para mim sem, porém, tirar os olhos de Eduardo.


Eu tentei correr para ele, mas um braço de Eduardo erguido de repente me impediu.
– Fica fora disso, quatro-olhos... Já falei! Não basta a sua frustração com a Fefê? O que é? Tá a fim da loira também?
– O que você vai fazer Doda? Violentá-la, é isso? E depois?


– Como você é estúpido! Eu não vou violentar ninguém... Não vê que ela gosta? Está apenas se fazendo de difícil! Normal...
– Tudo que estou vendo é uma mente deturpada! Olha pra a garota! Ela tá apavorada!


Eduardo não se deu ao trabalho.
– Looser! “Taí”... Vou pegar a Fefê... Ela é mais fácil, não faz doce, tá lá na festinha dançando, doida pra me dar... Sempre faz tudo que eu quero! Fica com a loira pra você, aproveita que ela tá no ponto. Eu já dei uma esquentada nela! – Disse dando um passo largo e pesado em direção à república.


A provocação de Eduardo fez Zeca bufar de raiva e se colocar no meio do caminho, entravando sua passagem.
– O quê que é, cegueta, acha mesmo que consegue me impedir, ou tá só querendo me encarar numa briga?
– Eu não tenho medo de você, aberração!


Eduardo perdeu a paciência e o empurrou:
– Ótimo! Porque assim não vou sentir pena quando eu tiver acabado de deformar essa sua cara de otário!


Zeca reagiu instantaneamente dando-lhe um contra-golpe de direita que o fez tombar para trás. Eu estava paralisada pelo choque, não notei Fernanda atravessando a rua correndo para o ponto onde estávamos. Provavelmente sentira a falta de Eduardo na festa e saíra a sua procura.


Eduardo estava caído no chão em posição de defesa e Zeca levantara a perna para lhe dar um pisão.
– Diga adeus a esse nariz empinado, seu animal!
– ZECAAAAAAAAAAAAAAAAA! NÃÃÃÃÃÃÃÃO! – Gritou Fernanda nos alcançando.


Fefê se lançou ao chão junto a Doda numa posição defensiva, e os olhos de Zeca transbordaram com lágrimas de raiva.
– Por favor, Zeca! Não faça isso... Você vai ser expulso...
– Não é comigo que você está preocupada! – Acusou, desistindo da ofensiva. Sua dor era tão latente que eu quase podia senti-la.


– Não seja injusto, eu também me importo com você!
– É, eu estou vendo... – Disse resignado antes de voltar-se para mim. – Venha Léo. Vou te acompanhar até sua casa. Pedro deve estar te procurando...


– Agora entendo as suas perguntas naquele dia da biblioteca... Não foi a primeira vez que aquele maníaco te atacou, foi? – Zeca perguntou depois de alguns minutos de silêncio. Já havíamos dobrado uma esquina e deixado aquele cenário fora de visão.
– Não, mas... Ele nunca tinha ido tão longe... Ele ameaçava mais do que agia... E me ofendia com suas palavras. Senti muito medo desta vez. Obrigada, Zeca.


– Eu fiz o que qualquer pessoa em meu lugar faria, Léo. Só lamento porque, pelo visto, não vai denunciá-lo, né?
– Eu... Não sei o que fazer... Eu morreria de vergonha e depois... Não creio que acreditem em mim...


– Eu posso testemunhar a seu favor... Se não fizer nada, ele vai acabar machucando alguém...

Estava óbvio que ele se referia a Fefê, mesmo parecendo não querer pronunciar seu nome. Eu me lembrei que Eduardo já a havia machucado.
– Você gosta dela de verdade, não é?


– Isso não importa, nem faz a menor diferença, porque como pôde ver não é de mim que ela gosta. Mas também não é por isso que quero vê-la ferida...
– Eu tenho medo da reação de Pedro. Também não quero meu irmão machucado! Nem expulso! Ainda por cima agora...


Zeca parou e me fitou.
– Léo, o Pedro é meu melhor amigo. Compreendo que não queira passar constrangimento diante da Universidade, mas não me peça para omitir de seu irmão o que acabei de presenciar. Não existe essa possibilidade.
– Mas ele vai perder a cabeça, eu tenho certeza, Zeca! Por favor!


– Lamento, Léo. Não posso fazer isso.
– Se ele for expulso, não vai dar pra esconder do conselho disciplinar do clube de Desiderata. Falta tão pouco agora... E mesmo se convencermos ele a não arrebentar o Eduardo, como acha que Pedro vai conseguir jogar as finais ao lado daquele crápula?


Zeca voltou a caminhar e eu o segui.
– Você só precisa se preocupar com seu irmão. Me ajude a segurar a fera, e te prometo que Eduardo não joga mais pela UFEB. Pelo menos não até eu me formar. Mesmo assim, ainda vou orar em silêncio pra que você, ou qualquer mulher molestada por ele, resolva fazer uma denúncia formal.


Como eu previa, não foi fácil segurar a ira de meu irmão. Ele ficou completamente fora de si, e se o Zeca não estivesse comigo seria impossível impedi-lo de sair à caça do meu algoz.
– Eu não acredito que escondeu isso de mim esse tempo todo, Léo! NÃO ACREDITO! – Ele urrava, zanzando de um lado para outro e a impressão que eu tinha, é que procurava algo para esmurrar ou chutar. – Porque nunca me disse nada?!


Eu não tinha palavras para me defender e Zeca intercedeu a meu favor:
– Ela só pensou em você, Pedro... Olhe o seu estado! Sei o que está sentindo. Eu teria sido capaz de matá-lo a chutes se Fernanda não tivesse aparecido.

Lembrei-me da cena e me dei conta de que provavelmente não o impediria, tamanho era o pavor a me paralisar naquele momento.


– Se você não fez, eu faço. Não vou passar por cima de vocês para ir atrás dele... Mas não posso prometer me controlar se eu o vir em minha frente. É impossível!
– Então é meu papel de amigo cuidar para que isso não aconteça, certo? – Zeca disse numa meia-pergunta tentando acalmá-lo.


Pedro não respondeu nada. Deixou a sala e bateu a porta de seu quarto após entrar.
– Por favor, não vá embora, Zeca... – Pedi aos soluços. – Ainda temo que ele mude de idéia.
– Preciso resolver outras coisas pelo mesmo motivo, Léo... Se conheço meu amigo, ele vai se enfiar embaixo de uma ducha bem fria. Por via das dúvidas vou ligar para o Neto e deixá-lo de sobreaviso.


Virei minha cabeça receosa. Mais uma pessoa para saber de algo me causava constrangimento. Zeca percebeu minha reação e me tranquilizou.
– Você conhece o Neto. Eu não entrarei em detalhes, e duvido muito que ele pergunte.

Realmente, não era mentira.


Essa noite, o meu olfato apurado obrigou-me demorar mais que o habitual na banheira. Empenhava-me em tirar o cheiro de Eduardo que acreditava estar entranhado em minha pele, em meus cabelos. Talvez nem mais estivesse ali ainda que eu não parasse de senti-lo.


Deitei em minha cama exausta, mas não conseguia dormir, e não era por causa dos momentos de terror que vivi horas atrás. O motivo de minha insônia vinha do baque abafado no sótão onde Pedro não parava de socar violentamente seu conhecido saco de areia.


Eu não suportei aquela situação por muito tempo e subi. Pedro não usava luvas, as costas de suas mãos e de seus dedos estavam assadas.
– Pedro... – Chamei. E embora tivesse certeza que ele havia escutado, meu irmão não parou o que estava fazendo nem olhou para mim. – Você precisa acreditar que eu só quis... Te poupar...


Alguns minutos se passaram e quando me preparava para descer as escadas sem nenhuma resposta, ela veio. Com palavras arquejadas entre socos e pontapés, mesmo que Pedro continuasse sem me encarar.
– O problema... Não é esse! O problema... É o olhar pra você e... Imaginar aquelas mãos... NOJENTAS... Te... Tocando!


Eu o envolvi pelas costas, fazendo com que parasse com aquele autoflagelo, mas ele ainda manteve os membros suspensos no ar em posição de ataque, tragando mais ar que o necessário.
– Não aconteceu nada... – Pronunciei com dificuldade. – Por favor, não sinta nojo de mim...


Meu irmão girou seu braço e me puxou para frente, apertando meu rosto em seu peito.
– Não sinto nojo de você, Léo. Não é isso...
– Então não me repudie. Eu preciso de você.


Pedro desceu comigo para o meu quarto. Deitou-se ao meu lado e me aninhou em seu colo, acariciando meus cabelos até que eu finalmente pegasse no sono. Mas não sei dizer se ele mesmo conseguiu dormir, pois, apesar de adormecida, senti seu coração bater acelerado a noite inteira.


Quando eu acordei já havia uma mensagem no meu iphone. Era de Zeca, perguntando como eu estava, e avisando que ficasse sossegada quanto a Eduardo. Ele tinha arranjado tudo para que não houvesse possibilidade de Pedro encontrá-lo, e fiquei curiosa para saber o que fizera.

Talvez eu não demorasse muito a descobrir.


A campainha soou quando eu havia acabado de retirar a mesa do meu desjejum solitário. Abri a porta para a figura triste de Fernanda. A maquiagem de seus olhos borrada novamente, apesar de não haver lágrima aparente em seu rosto.
– O que foi que aquele desgraçado te fez? – Perguntei tomada de raiva.


Para meu completo espanto, a garota caiu de joelhos a minha frente.
– Nada... Ele não me fez nada. Estou aqui por outro motivo. Estou aqui pra implorar que não denuncie o Doda. Por favor, eu faço qualquer coisa!


Eu não podia acreditar naquele pedido. Tampouco naquela cena. Inspirei profundamente para sair do estado de choque e ordenei:
– Então comece levantando daí!


Levei Fernanda até meu quarto, acomodei-a em minha cama e ofereci-lhe um ansiolítico que ela aceitou de bom grado. Esperei alguns minutos depois d’ela engolir o comprimido para perguntar:
– Quer conversar?


Fernanda fez um meneio e respondeu ao mesmo tempo:
– Eu sempre criei uma imagem errada de você. Não me leve a mal, não era só ciúme do Doda... Sou muito amiga da Pêpa, sempre tomei suas dores. Nem poderia ser diferente, acho que você deve entender. Quando o Eduardo começou a falar de você, isso só se confirmou. Pensava: “Caramba! A guria é uma maneater!”


Eu aproveitei a pausa que ela fez para respirar e sentei ao seu lado na cama.
– Sabe, fui preconceituosa, eu sei, mas o seu jeito também não te favorecia. – Fefê continuou seu desabafo. – O nariz empinado, o ar de superioridade e o andar sensual que, admito, me causavam mais inveja do que antipatia. A seu favor mesmo só havia o Pedro, mas cada vez que via Pêpa desabar frente às confissões do seu irmão, eu alimentava mais ainda a raiva que sentia de você.


Ela tomou ar novamente.
– Na minha cabeça eu acreditava que você lançava mão disso pra sair por aí seduzindo “Deus e o Mundo”. Achava que Pedro e Doda eram mais duas de suas vítimas apenas... Mas a fixação de Doda por você foi ficando pior a cada dia, ele queria que eu me moldasse ao seu jeito e sua aparência, e teve aquele dia que você apagou na frente da Pêpa no jardim, que nem ela mesma quis me explicar direito... E depois, o episódio do seu carro... Nada mais fazia sentido algum...


– Eu entendo sua posição quanto a Penélope, Fefê... Eu também tomaria partido dos meus amigos... Mas como pode ficar ao lado de um cara como o Eduardo! Ele é maníaco! Tá certo que ele nunca tinha ido tão longe em suas investidas até ontem, mas pareceu bem determinado e afinal de contas... Meu Deus, Fernanda, ele te bateu!


– Ah... – Ela baixou o rosto com vergonha. – Ele não me bateu, exatamente... Nós estávamos no quarto dele e discutimos porque Doda sugeriu que eu descolorisse meu cabelo... Ele ficou nervoso, começou a esbravejar e eu parti pra cima dele num momento de raiva em que ele arremessou um de seus troféus contra a parede. Pegou raspando no meu rosto... Ele veio me acudir e me chamou de Léo... E então eu saí correndo daquele jeito que você me encontrou...
– Ainda assim... Eu não sei se...


– Escuta, Léo! – Ela me interrompeu. – Eu sempre fechei os olhos pro jeito grosseiro dele lidar comigo, mas fiquei extremamente preocupada, desde que você deu a entender que o Doda te maltratava, e que precisava de tratamento. Eu o enchi de perguntas, mas ele foi evasivo e reagiu com mau-humor, e essas atitudes só atiçaram a minha curiosidade.... Eu fui atrás de informações e não gostei nadinha do que encontrei.


– E o que foi que você encontrou afinal?
– Descobri que ele não tem uma família bem estruturada, Léo... Tá, até aí, ele não é o único, não é por isso que as pessoas saem por aí fazendo o que ele faz... Mas eu juro pra você... Ele realmente não tem o hábito de ser violento... Eu sinto que ele tem uma idéia deturpada da figura feminina... Por isso ele menospreza as mulheres de uma maneira geral...


– Mas o que leva ele a fazer isso?! Eu continuo não entendendo!
– Olha, Léo... Eu não sei se consigo explicar, tudo que penso é intuitivo e deve ser tendencioso, porque eu não sou psicóloga, nem psiquiatra, também não preciso te lembrar o quanto gosto do Eduardo, então... – Fernanda soltou um breve suspiro antes de continuar. – Tomei coragem e bati na porta da casa dos pais dele. Dei a desculpa que ele tinha furado um encontro comigo. A mãe dele... Meu Deus, Léo... Tá certo, eu sou de origem humilde como a maioria dos meus amigos... Mas fiquei tão bolada...


Eu senti a resistência de Fernanda. Deveria ser algo realmente desagradável, e tentei estimular:
– Seja o que for que me contar aqui... Morre aqui.
– Ela é uma mulher baixa, Léo, vulgar... Eu não gosto de julgar sem saber e é óbvio que eu não perguntei, mas ela parecia uma... Sei lá! Ostentava jóias, apesar das paredes da casa precisarem de pintura, dos estofados estarem puídos... E tinha marcas que pareciam hematomas em várias partes expostas de seu corpo... E então do nada, o Sr. Chao chegou mal humorado e... E começou a esbravejar, reclamando sobre alguma coisa... Eu me senti incomodada e inventei outra desculpa pra ir embora correndo de lá...


Estava difícil assimilar aquele monte de informações.
– Eu não sei o que eles são, ou o que eles fazem da vida, ia até tentar com algum jeito perguntar ao próprio Eduardo, mas ele descobriu antes que eu estive em sua casa e se enfureceu. Eu inventei que estava só procurando por ele e desviei o foco do assunto falando sobre o dia que estive aqui. Ele ficou ainda pior, mas como eu estava disposta a saber mais, procurei ser compreensiva e não discutir. Eu achei que daria pra levar... Até ontem...


Seu semblante derrotista apareceu novamente.
– Já sei agora, que você é vítima nisso tudo... Mas eu não o vejo desde ontem e essa manhã no refeitório o Zeca estava sério e me tratando com indiferença. Eu comentei que Doda havia sumido e perguntei se ele sabia de alguma coisa e ele se limitou a responder que por ele, “o Eduardo podia estar no inferno, melhor ele não aparecer mesmo”... Eu não consegui encontrá-lo em lugar nenhum. Fiquei bolada com o Zeca... Eu vim pedir... Por ele...


– Fefê... Eduardo vem me perseguindo praticamente desde que vim morar no Campus. Pra ser mais exata, desde que me flagrou transando com David em cima de uma mesa de sinuca. – Confessei de supetão, como de costume. – Eu sempre me esquivei e escondi o quanto pude, porque também sinto vergonha. E medo. Medo do julgamento alheio, medo das fantasias que a mente doentia dele pode criar para me acusar. Só que agora as coisas tomaram proporções grandes demais. Temo pelo que meu irmão possa fazer... Temo até que Zeca meta os pés pelas mãos...


Fernanda então se pôs de pé.
– E se eu conseguir convencer o Eduardo? Se ele... De alguma forma... Mudar ou... Não existe desculpa praquele comportamento, mas alguma coisa me diz que ele é fruto do meio que vive... Um nariz quebrado, ou uma expulsão talvez resolva o problema de vocês... Mas... E o problema dele? Por favor, Léo... Sei que ele não merece, mas eu o amo muito. E se eu não ajudar o Doda agora, quem você acha que vai?


De fato, não creio que mais alguém ajudará Eduardo. Tive pena de Fernanda em sua luta por uma batalha que eu considero perdida. Mas não tentaria convencê-la a desistir, pois em seu lugar talvez eu fizesse a mesma coisa.
– Fefê... Eu estou indo embora daqui... Vou me mudar com Pedro pra Desiderata. Estou confusa, sem saber direito o que fazer, mas não posso ser omissa com quem vai ficar. Se Eduardo machucar alguém pra valer eu não vou me perdoar.


– Estou te dando a minha palavra, Léo... E me responsabilizando por qualquer ato dele daqui em diante. Mas estou com um mau pressentimento sobre esse sumiço dele.
– Acho que está preocupada à toa! Acredito que Eduardo não teve a ousadia de aparecer no campo hoje... Não é possível que ele não tenha imaginado que, na melhor das hipóteses, a história chegaria aos ouvidos de Pedro!


– Eu até concordo com essa teoria, mas o jeito de Zeca hoje de manhã me deixou inquieta.
– Bem... Ontem ele saiu daqui falando que tomaria providências pra evitar um encontro entre os dois, e me confirmou isso por SMS agora de manhã... O que acha que ele pode ter feito?


– Eu não sei... E com certeza ele não vai me contar, né? Afinal ele teve essa oportunidade mais cedo... Não quer você mesma ligar e perguntar? Talvez pra você ele diga...

Eu saquei a intenção por trás da sugestão de Fefê, mas nem por isso a considerei ardilosa. É uma mulher perdidamente apaixonada, e confiante de sua tese, embora eu a ache equivocada.


– Alô, Zeca? É a Léo... – Cumprimentei quando ele atendeu. – Eu peguei seu torpedo há pouco, mas estou aflita, porque quando acordei Pedro já tinha saído...
– Pode ficar tranquila, Léo... Eduardo talvez nunca mais pise na UFEB...


– Não consigo ficar tranquila sem saber o que você fez, Zeca... Mesmo que eu deteste, estou envolvida até o pescoço nesta história.
– Olha, Léo... Pra falar a verdade eu não precisei fazer muita coisa, mas você não vai gostar de saber, embora eu ache inevitável que a coisa chegue até de você de uma maneira ou de outra.


A resposta de Zeca me deixou mais nervosa.
– Então pare de enrolar e diga logo, Zeca!

Fernanda ficou atordoada diante da minha reação, e procurou minha cama para se sentar. Ali ficou de cabeça baixa, presumo eu, tentando manter o controle enquanto escutava a minha parte naquela conversa.


Ignorando o que acontecia em minha casa, Zeca me atendeu:
– Eu saí daí ontem e fui direto atrás de Eduardo. Acabei encontrando ele em casa mesmo, ainda revoltado com tudo. Eu não tinha nada planejado, minha única “carta na manga” era mentir para chantageá-lo. E foi o que eu fiz assim que ele parou de esbravejar para me ouvir. Eu disse que você estava disposta a não fazer uma queixa formal se ele trancasse a matrícula e sumisse.


– Por que falou uma coisa destas, Zeca? Foi tão irresponsável!
– Eu sei, Léo, mas eu não tinha muita opção! E precisei pensar rápido. Lembrei de Pedro e... Ah, droga! Eu não sou de agir assim, mas também tenho hormônios, apesar de parecer ser sempre tão racional! E depois... Ele mesmo acabou ferrando a si próprio sem querer.


– O que quer dizer?
– Eu te falei que não precisei fazer muita coisa, não é? Pois então, Doda é claro que não reagiu bem a minha proposta... Não porque no fundo não soubesse que seria arriscado pra ele continuar por aqui, mas por eu estar em sua casa, lhe ameaçando. Ele partiu pra cima de mim, perguntando quem eu achava que eu era e proferindo absurdos a seu respeito. Estava descontrolado e berrava sem parar. Acabou falando mais do que devia! O que ele não contava era que David chegasse bem na hora e ouvisse grande parte daquela conversa.


Zeca calou-se, provavelmente esperando que eu dissesse alguma coisa, mas eu estava chocada. Minha vida estava sendo devassada, fiquei tonta e tive medo de desmaiar outra vez. Diante de minha mudez, ele ponderou:
– Eu avisei que você não ia gostar de saber, Léo!
– Continue Zeca. O que está feito, está feito.


– Eu não fiquei impressionado com a ira de David ao partir pra cima de Eduardo. Afinal de contas, ele era seu namorado e não fazia a menor idéia que o cara te molestava dessa forma, aliás, acredito que esteja magoado com você também por nunca ter dito nada, mas isso não importa mais agora. Doda ficou bem machucado... E não acredito que volte a por os pés naquela casa, pelas ameaças que David lhe fez. Por isso, acho que ele não volta para UFEB nem para as provas finais! Eu sou uma pessoa tão ruim por não estar sentindo nem um pingo de pena?


É claro que eu não o achava ruim, tampouco conseguia sentir pena de Eduardo. Mas também não me sentia satisfeita com nada do que havia acontecido enquanto eu dormia abraçada a meu irmão. Fernanda não levou mais que poucos segundos para sumir porta a fora, assim que lhe contei o conteúdo completo da conversa.


Pedro chegou abatido do treino e senti-me culpada pelo seu provável baixo rendimento em campo. Contei-lhe sobre a visita de Fernanda e o telefonema para seu melhor amigo. Por sua vez, ele afirmou saber sobre a briga porque David lhe contara.
– Vocês discutiram? – Perguntei preocupada.
– David parece mais conformado agora. Pelo menos descontou sua raiva em alguém... Mas não creio que nossa amizade um dia volte a ser a mesma. Não que fôssemos tão amigos assim...


Eu sabia. E provavelmente não era só o David. A amizade com Penélope também nunca mais seria. Eu o abracei.
– Desculpa, Pedro.
– Não se sinta assim... Estar com você é tudo que sempre quis na minha vida. Saber que você se sente igual é muito mais do que eu podia desejar. O resto é consequência das nossas escolhas. Se eu não for forte o suficiente para aguentar, não mereço ter você.


– Mas você também não precisa aguentar sozinho. Se não compartilha comigo, também não vou conseguir me achar merecedora.
– Ah, Léo! Eu sempre te coloco sob proteção, não é? Perdão... É tão difícil pra mim! Não consigo não te proteger, mas prometo que vou me esforçar pra me tornar um pouco menos... Zeloso demais... – Sorriu.


– Relaxa... Você nunca vai deixar de ser meu herói! – Disse encostando meus lábios no dele, convidando-o para um beijo.

Com tudo que acontecera nestes dias, parecia uma eternidade desde que eu havia sentido seu gosto pela última vez.


Acordei determinada no dia seguinte. Parti para aquele lugar que eu detestava e que só me trazia lembranças ruins. Mas se estava disposta a provar minha capacidade, precisava mudar minha atitude e resolvi começar por Penélope.
– O que está fazendo aqui?! – A pergunta expelida quando abriu a porta de seu dormitório na república, parecia mais uma afirmação de que aquele era o último lugar onde eu deveria estar.


– Sei que estou invadindo seu templo, mas em nome da amizade que você tem com Pedro eu gostaria que me desse alguns minutos da sua atenção...
– Por que está sendo tão formal, garota? O que está querendo? Já não tem o que deseja? Veio tripudiar e esfregar sua vitória na minha cara?! Que graça tem chutar cachorro morto?


– Por que você tem que tornar tudo tão difícil? – Rebati sua pergunta. – Por que simplesmente não senta e escuta o que tenho pra te falar sem vir com “cinco pedras na mão”? Eu nunca disputei o Pedro com você, então não tem por que me achar vitoriosa! Mesmo quando eu tento, e até admito que não sou muito esforçada nisso, mas... Mesmo assim... Você não me permite ter uma conversa civilizada! Se não consegue enxergar o sofrimento estampado na cara do seu melhor amigo, só me faz concluir o quão egoísta é o amor que sente por ele!


– Olha só justamente quem vem falar de não enxergar! Se liga, Léo! Sabe quantas vezes seu irmão chorou no meu colo por sua causa? Eu, egoísta?! Faz-me rir!

Ela não deixava ter razão.
– Desculpe a minha arrogância. Desconheço o relacionamento de vocês e por ciúme infantil nunca me interessei em conhecer. Não tenho mesmo o direito de lhe acusar... Então, estou baixando a minha guarda... Podemos conversar?


– Apenas diga o que você quer, Léo... – Penélope respondeu virando de costas e voltando para o seu quarto.
Como não bateu a porta na minha cara, considerei aquilo como um convite, e entrei atrás dela.
– Eu só quero... A felicidade do meu irmão. E ele me disse que eu faço parte dela. Eu acabei o condenando, mesmo sem querer...


– Foi pra isso que veio até aqui? Para se confessar? Procure uma igreja!

Tive vontade de mandá-la para o inferno. Dizer meia dúzia de palavrões e, se possível, devolver-lhe aquele tapa que ainda estava atravessado na minha razão.
– Meu desejo é que ele não sacrifique a amizade que tem com você, nem com nenhuma outra pessoa, por minha causa. – Respondi com um autocontrole que surpreendeu até a mim mesma.


– Lindo, isso, Léo... Tão altruísta... Acontece que não dá pra ter tudo que se quer... Talvez pra alguém como você seja algo difícil de assimilar...
– Tá certo, Pêpa. – Concluí deixando-a pasma ao chamar-lhe pelo apelido. – Você não é obrigada mesmo a me aturar em nome de uma amizade que talvez lhe tenha sido frustrante a vida inteira. Desculpe tomar seu tempo.


Penélope não respondeu e eu me dirigi de volta à porta. Porém, antes de abri-la, voltei a falar, ainda que não virasse para encará-la.
– Sabe que vamos embora pra Desiderata, não sabe? Acho que vai tornar as coisas mais fáceis pra você, se esquecer o Pedro for menos doloroso que me aceitar. Quanto a mim, não vou oferecer resistência. Caso mude de idéia, será sempre bem vinda em nossa casa.


Virei a maçaneta e saí. Caminhei para as escadas de acesso ao salão, entretanto, antes que eu as alcançasse para descer, Penélope surgiu no umbral de seu cômodo.
– Léo! – Ela chamou e eu parei. – Eu prometo... Que vou tentar...


Naquele mesmo dia, após o almoço, partia com Pedro rumo à casa de papai. Foi o prazo que havíamos nos dado para contar-lhes sobre a mudança.
– O que você tem? – Pedro perguntou ao volante, antes mesmo de sairmos do Campus. – Está aérea, distante... Desde o almoço. Não posso crer que seja só pela situação em si... Ou é por causa do gosto da minha comida?


– Você nem consegue mais disfarçar quando quer ganhar um elogio... – Sorri. – Sabe que adoro a sua comida.
– Hum, assim está melhor... Prefiro ver você alegre...


Na verdade eu estava esse tempo todo me questionando se devia ou não contar para ele sobre a minha visita matinal à República Velha. Meu dilema consistia em não querer me vangloriar da atitude. Mas queria tranquilizá-lo quanto a sua amiga. Mesmo assim, decidi por deixar para ela a opção de contar ou não.


A conversa com Dora e Dr. Olívio foi exatamente como prevíamos. Não houve resistência quanto a nossa partida, nem percebi qualquer chateação de papai com relação a minha mudança de curso, mas senti a sua dificuldade em esboçar um sorriso pela nossa felicidade. Não estava sendo fácil para mim e meu irmão tampouco. Por que é tão penoso cortar o cordão umbilical?


Dora abraçava Pedro como se tentasse compensar o tempo que estava por perder, e após um enorme hiato no qual se ouviam apenas fungadas, papai resolveu falar:
– Sabe, Léo... Eu nunca entendi porque você escolheu Medicina. Desculpa filha, mas quando era criança, eu jurava que seguiria uma carreira na área de moda. Na altura do seu vestibular, não tive coragem de perguntar por medo de descobrir que era só por minha causa, além do mais estava orgulhoso. Pra que eu não me sinta culpado mais uma vez por não te orientar, por favor, me responda: Por que Serviço Social?


Contei a papai sobre o projeto Pôr do Sol, sobre as aulas de Yuri e todos os horizontes que se abriram sob minha perspectiva desde que eu o conhecera. Pedro escutava tudo um tanto irrequieto, demonstrando toda a insegurança que ainda sentia em relação aos meus sentimentos pelo professor.


– Ah, filha! Eu só não fico mais feliz pela saudade que já estou sentindo por conta desta mudança! – Disse me abraçando.
– E vocês nos contaram tão em cima da hora! – Reclamou Dora, ainda que com toda sutileza que lhe era peculiar.


– Se contássemos antes, vocês passariam mais tempo sofrendo por antecipação! – Pedro justificou resumidamente, e não deixava de ser verdade. – Assim vocês não vão precisar nem pensar em se preocupar com nossa partida! Leandra Salvatore se mostrou muito eficiente!
– Não abuse só porque eu não resisto ao seu charme! – Fingi ameaçá-lo pela zombaria com meu nome, mas não consegui conter o riso.

E então até papai conseguiu relaxar.


Os poucos dias e noites que nos restavam na UFEB, passavam vertiginosamente, aproximando cada vez mais a data de nossa partida e aumentando o bolo no meu estômago. Eu e Pedro optamos por não fazer festa de despedida. Não é uma ocasião cem por cento feliz. Ainda não tínhamos notícia sobre Eduardo, muitas pessoas me olham atravessado. Além do mais, vamos sentir saudade de muita gente. Não... Definitivamente, não havia clima para uma comemoração deste porte. Optamos por dar adeus aos amigos de uma forma particular, que deixasse a melhor lembrança.


Marquei de almoçar no Bumper com Tatá e as meninas em um desses “momento despedida”. Será que eu encontraria na UniDes, um restaurante como aquele muito simples, mas que me agradasse tanto? Torci para que sim.
– Eu vou morrer, loira! É uma maldade, não vou conseguir sobreviver aqui sem você... – Confessou-me ao ficarmos a sós, quando Gegê e Guta deixaram a mesa para irem ao toalete.


– Não fale assim, Tatá, estou arrasada também... Quem vai levantar minha auto-estima dizendo que estou perfeita dentro de um modelito super básico?! Quem vai me manter informada de tudo sobre o campus? E quem vai reservar o melhor lugar da sala pra mim quando eu chegar atrasada?
– Poxa, Diva! É só pra isso que eu sirvo?! – Perguntou com uma mágoa profunda.


Eu encostei meu rosto junto ao dele não mais conseguindo esconder minha tristeza.
– Ô, Tatá! Eu estava só brincando... Pra amenizar a falta que sua companhia vai me fazer. Seu sorriso que levanta qualquer baixo astral, sua energia, seu carinho...
Meu amigo me acolheu, pousando a mão em meu ombro.
– Ah não, Léo! Não me faça chorar! Você sabe que sou emotivo!


Tentamos nos recompor e disfarçar antes das meninas regressarem.
– Não vai fazer mesmo um “bota fora”, Léo? – Augusta perguntou desapontada.
Eu não estava surpresa que ela parecesse normal e se comportasse bem na minha frente, depois de tudo. No fundo, nunca acreditei que sentisse algo substancial pelo meu irmão.


– Estou decepcionada, Guta! Que você ficasse feliz com o meu desaparecimento ainda vá lá! Mas pensei que ao menos sentiria falta do Pedro!

Falei de implicância gratuita. Eu sabia que não tinha sido essa a sua intenção ao perguntar, mas a falta de noção dela às vezes beirava o absurdo. Certo. Confesso também que tenho dificuldade de abandonar alguns velhos hábitos.


Despedi-me de meus amigos na saída do restaurante. Eu havia ido de carro, pois ainda teria que passar no magazine onde havia comprado alguns agasalhos. Precisei deixar dois deles para ajustar, e a gerente me avisara mais cedo que já estavam prontos.


Após estacionar, caminhei apressada pela calçada por conta do horário. Eu ainda havia marcado manicure para o final daquela tarde. No momento em que iria empurrar a porta da loja para entrar ela se abriu e reconheci um rosto moreno e estonteante que saía lá de dentro estampando um sorriso leve e distraído.
– Opa! Desculpe! – Pediu depois do encontrão que me deu. Ele nem me vira.


– Nuno... – Disse quase num soluço.
– Hey, Léo! – Exclamou tentando não se mostrar surpreso. – Caramba! Te machuquei?


– Ah... Não... Tá tudo b...
Uma figura feminina desconhecida surgiu ao lado dele antes que eu pudesse completar. A morena de cabelos negros me fitou no mesmo instante em que falou com Nuno.
– Ué, amor, pensei que tivesse ido buscar a moto.


Levemente desconsertado, Nuno me apresentou:
– Malu, esta é minha amiga, Léo.
– Olá, Léo... – O sorriso simpático que ela me lançou chegou a me dar medo. – Léo é apelido, né?


– Como Malu, eu presumo... – Respondi. Ela precisava iniciar o diálogo justamente pelo meu nome?
– Ah, Claro! – Sorriu novamente, desta vez lançando-me um olhar desafiador. – É que Léo é um nome esquisito pra uma garota.


Eu estava sem graça e esperava que Nuno me dissesse quem ela era, apesar de estar mais do que óbvio. Que situação! Diante daquele silêncio constrangedor, Malu deu de ombros.
– Bom, deixa que eu mesma pego a moto, amor. Só me diz onde você estacionou...


Depois que Nuno lhe orientou e entregou as chaves, a bela morena nos deixou. Foi quando ele finalmente conseguiu tartamudear alguma coisa.
– A Malu... É... Minha...
– Eu já entendi... – Poupei-lhe o esforço.


– Não me julgue mal... Há tão pouco tempo lhe ofereci minha casa e meu coração, e agora você me encontra acompanhado assim... Mas é que...
Novamente eu não o deixei falar.
– Jamais faria isso, Nuno, nem teria o direito de te julgar.

Eu não desejava mesmo nenhuma explicação. Da maneira que eu o deixei da última vez que nos encontramos, seria aceitável até que ele fingisse não me conhecer.


– Certo, Léo... Desculpe meu jeito abobado, mas não esperava esse encontro, muito menos que fosse possível você estar mais bonita do que já era... É só um elogio sincero! – Ele se apressou em explicar. – Não pense que sou um cretino... Você parece mais serena... E feliz. Você se... Acertou com seu irmão?

Era desconcertante demais que até mesmo Nuno, que pouco sabia sobre mim, alcançasse o que só eu não consegui!


– Está tão evidente assim? – Tenho certeza que fiz uma careta ao perguntar.
– Não, Léo... – Tentou ser gentil, e seu charme se destacava ainda mais ao fazer isso. – Eu que sou intrometido mesmo...


Contei superficialmente sobre minha partida antes de me despedir, apenas para ele não achar que eu desapareci sem deixar vestígios. Foi uma relação fugaz, mas não por isso pouco importante.
– Sua namorada não ficou chateada, não é? Não queria causar problemas...
– Relaxa... Eu e Malu estamos vivendo um reencontro... Ela sabe mais sobre mim do que eu mesmo...


Cheguei em casa exausta do dia que tive. Pedro parecia me aguardar ansioso, na sala.
– Por que cargas d’água a pessoa adora ter um iphone se nem se dá ao trabalho de atender ligações? – Deu-me uma bronca que eu não esperava.
– Eu estava fazendo minhas unhas! Não poderia atender mesmo que tivesse ouvido!


– E por que não verificou quando acabou? – Continuou exaltado.
– Porque se eu enfiasse elas dentro da bolsa pra pegar qualquer coisa, ia estragar a linda francesinha que a Michele fez, olha! – Mostrei-lhe esticando minha mão.


Pedro me deu um puxão e apertou minha cabeça com força contra seu peito. Sua pulsação estava acelerada. Porque toda essa tensão? Arrependido de sua explosão, ele soluçou.
– Léo... Você me mata de preocupação. Eu não estou sossegado com o Eduardo desaparecido e você andando sozinha por aí...


Esperei seu coração voltar ao ritmo normal e me afastei apenas o suficiente para mirar seus olhos.
– Não acho que Eduardo queira me fazer algum mal. – Meu irmão contraiu o canto da boca ao me ouvir. – É sério, o garoto tem algum problema! Na cabeça dele, acredita que eu gosto disso, que desejo, que vou curtir... Então eu me questiono, caso ele tivesse oportunidade, mas sentisse minha rejeição, se iria realmente até o final... Eu não creio que tivesse coragem. Não sei te dizer porquê, mas não creio...


– Eu não sou psicólogo, e estou me lixando pra cabeça deturpada daquele animal! E mesmo que você acredite nisso... Eu não vou pagar pra ver! Portanto tente não me deixar neurótico, e atenda as minhas ligações.


Procurando acalmá-lo, voltei para o seu colo.
– Não tô querendo virar cobaia, fica tranquilo. Não sou tão corajosa assim... Eu prometo ficar mais atenta a minha volta, e ao toque do meu celular...


Na noite seguinte, Neto ligou para Pedro e nos convidou para um jantar mais íntimo. Uma reunião caseira “À La Nick”, regada de muito vinho.
– Ah, minha amiga! – Nicole exclamou com um sorriso malicioso. – O que vai ser de você sem mim pra se virar em uma cidade desconhecida...
– Larga de ser convencida, Nick! Eu até tenho me saído muito bem!


Comemos, conversamos tão séria quanto divertidamente sobre nossos futuros. Bebemos, rimos, dançamos. Não vimos as horas passarem e acabamos ficando tão ébrios que capotamos ali mesmo no sofá da sala. Só fomos embora ao final da manhã do dia posterior.


Apesar da preocupação de Pedro com Eduardo, apenas uma coisa estava de fato me incomodando naqueles últimos dias: eu não conseguia encontrar Yuri. Seu telefone parecia desligado, e sempre encontrava sua sala no Campus fechada. Soube pelo Tatá que ele havia adiantado a matéria e as provas, portanto não devia estar mesmo frequentando a UFEB àquela altura.


Seria frustrante ir embora sem me despedir de uma pessoa tão importante para mim. Mais do que isso, uma pessoa da qual eu gostava tanto que tinha receio de definir tal sentimento. Foi esse medo que me coibiu de perguntar a Nicole por onde ele andava ou o que estava acontecendo em sua vida. Como alguém pode sempre aparecer do nada quando se precisa, mas nunca estar disponível quando se deseja?


Também era desanimador não poder beijar as bochechas sardentas de Ariel mais uma vez. Eu já estava com muita saudade daquela menina, a última vez em que a vi não tive preparo emocional suficiente para lhe dedicar a atenção que eu gostaria.


Não gosto de despedidas, porque detesto chorar, e isso é inevitável nessas ocasiões. Pedimos discrição àqueles que sabiam a hora de nosso vôo. Apenas a nossa pequena família, e pessoas muito íntimas estavam presentes no aeroporto. Mesmo que eu ainda não gostasse de Penélope, fiquei feliz pelo Pedro, por ela ter decidido aparecer.


Os olhos embaçados daquelas pessoas tão amadas ao meu redor estavam me causando uma aflição acima do tolerável e decidi apressar o nosso embarque.
– Pedro... – Chamei-o no meio de um abraço que trocava com Zeca. – Por favor, vamos...


Ele entendeu o tormento transfigurado na minha voz e consentiu. Demos o último adeus e caminhamos para a porta de vidro que se abria para o início de uma outra vida. Mas antes que eu desse meu primeiro passo para dentro daquela nova realidade, ouvi meu nome preencher o saguão, num grito muito fino e chiado de quem não possui coordenação suficiente para dominar a língua.


– Tia Léeeeeeeeeeeeeeo! – Ariel corria para mim quando me virei.

A criança trazia um sorriso inocente no rosto, alheia a toda tristeza que embalava a situação. Atrás dela seu pai, Yuri, como uma escultura renascentista. Não era justo que ele fizesse isso comigo. Eu não possuía estrutura para suportar.



3 comentários:

  1. Ain quanto Doda *--------------*
    Tão lindo, maravilhoso, canalha e sem vergonha mais bonito do mundo *--*

    Ah Fefedida nem falo nada... não é má pessoa, ms não gosto tbm u.u" Gostaria mais se ela se afastasse

    Tanta informação... amoooooooooooo Todos tão lindos... Arieeeeeeel linda e fofa cut cut *-*


    Quanta saudade ja dá T-T


    Bjoooooooooooos

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  2. Tanta coisa nesta atuh! .-.
    Doda tá doente, precisa de tratamento e não que esmurrem ou passem a mão na cabeça dele!
    Achei fofo o Tatá fazendo beicinho por causa da ausência da Léo...
    Mas linda é a Ariel berrando "Tia Léo", lembrei do meu sobrinho ainda nesta idade fazendo o mesmo comigo. Fico emocionada só de lembrar.

    AMO!
    bjosmil! *.*

    PS1: Deh... Às vezes me pergunto porque ainda não se mudou pro sanatório da família... DODA?!!! AFF!!!

    PS2: Tá acabando! ÇÇ

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  3. Ai, Deh! Tenho que concordar com a Mita! Doda?!?!?! Afff tanta coisa na atuh...
    Vamos pro último capítulo, meninas!

    Obrigada por tudo, sempre!

    ..: Bjks :..

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