terça-feira, 14 de dezembro de 2010

XXXIII – Reflexões (Parte II)

Agora só podia ser ele.
– Pedro! – Minha voz saiu melancólica, apenas pelo vazio que sua ausência me causava, mas foi o suficiente para deixá-lo preocupado.
– Oi, Léo... Como você está?


– Eu estou bem. Só não estou melhor porque já tô perdida de saudades de você... Como foi o treino?
– Está mesmo interessada nisso? – Estranhou.


Eu não sei se algum dia eu gostaria de futebol. Mas ele estava naquele treino e isso por si só me interessa.
– Quis saber como você está... Quero que sobre alguma coisa pra mim quando você voltar.
– Eu estarei inteiro pra você, Léo. Aconteça o que acontecer. É uma promessa.


Essa confiança dele me afronta ao mesmo tempo em que me cativa. Como isso é possível?
– Então dê o seu melhor no jogo... Não me importo de ter que lhe fazer alguns curativos...
– Se é você que vai cuidar... Eu até posso me deixar machucar de propósito.


Ao ouvir suas palavras, a lembrança de seu corpo nu fez minhas pernas bambearem.
– Pedro... – Chamei sua atenção, mas não podia dizer-lhe o que eu queria.

Queria dizer que desejava sua presença agora, naquele instante. Que queria sentir o calor de seu abraço e a doçura de sua boca. Sentir suas mãos na minha cintura e ouvir sua respiração ofegante enquanto fazíamos amor.


Seria cruel provocá-lo desta forma na véspera de um jogo.
– Diga, Léo. – Ele pediu, depois de alguns segundos.
– Traz um presente pra mim? – Perguntei mais por improviso do que por pretensão.


– A cidade onde estou é tão pequena... Não sei o que possa ter aqui pra comprar pra você.
– Não precisa ser daí. Nem precisa ser “de comprar”. Boa sorte no jogo amanhã...


– Obrigado... Não vou esperar pelo time, Léo. Volto assim que terminar o jogo, por isso vim com meu carro. Pego você aí antes do anoitecer.
– Apenas venha com cuidado... Não importa a hora que for.


Nós passamos às despedidas e apenas quando desliguei reparei que Nick e Tatá já haviam voltado e se sentado à mesa. Bebiam o vinho e conversavam casualmente. O prato com queijos no centro estava intocado.
– Sua casa é linda! Fiquei apaixonado pela aquela cozinha amarela, Nix... Err, “Sorry”... Nicole... – Desculpou-se envergonhado.


– Pode me chamar assim se quiser, Tatá... É tão carinhoso! A casa não está totalmente concluída, eu mesma estou decorando. Ainda vou passar muito tempo por aqui, e fazendo tudo aos poucos. Ontem mesmo eu comprei algumas plantas e arranjos... Devem chegar essa semana. Também estou esperando a mãe do Neto terminar um quadro pra mim. Ela é uma ilustradora maravilhosa! Vou colocá-lo aqui nesta parede vazia atrás da mesa de jantar.


– Posso participar? – Interrompi. – Ou é uma festa a dois?
– Claro que pode, Léo, pára de criancice... – Respondeu Nicole.


– Você que parecia estar numa reunião bastante íntima e privada. – Tatá completou visivelmente magoado. – Apesar de ser à distância.

Ele provavelmente me escutara ao telefone, mesmo envolvido em outra conversa com Nicole. Eu nem havia tomado cuidado.


Sentei-me ao seu lado e tentei me desculpar.
– Você sabe que no final eu sempre te conto tudo, não sabe, Tatá? Não seria diferente desta vez. É que as coisas aconteceram rápido demais e saíram um pouco do meu controle.
– Devia tentar controlar menos essas coisas então, não acha?


– Estou... Tentando...
Era muito difícil para mim. Sempre procurei ter o controle de tudo a minha volta. Achei que fosse capaz. Estava sendo duro descobrir que nem sempre seria possível.
– Desculpe, não pude deixar de ouvir... Está rolando alguma coisa entre você e seu irmão?


Nicole fez menção de se levantar para nos deixar a vontade. Sinalizei com o olhar para que ela ficasse. Eu precisava de sua presença.
– Dito assim parece repugnante e incestuoso, Tatá... Mas não é novidade pra você que não somos irmãos de sangue. Se prometer me escutar livre de tabus e preconceitos, eu vou te contar a história inteira...


Tatá atendeu meu pedido, inclusive se esforçando para não fazer as expressões de choque tão típicas de seus trejeitos. Ao final, já parecia torcer pelo Pedro como se costuma torcer por um casal de alguma “soap opera”. Isso era a cara dele.
– Que fofo! Você e o Pedro... Eu sou tão estúpido! Como não percebi nada disso?

Acredito que meu amigo me adora tanto que, em se tratando de algumas coisas, enxerga apenas através dos meus olhos. E eu mesma, andava às cegas.


– É claro que eu não vou falar nada, mas estou aqui imaginando a reação da Guta quando souber. Talvez eu precise comprar uns estabilizantes emocionais.

Fato que era uma piada. Entretanto, não pude deixar de imaginar o impacto que a notícia teria no Campus, principalmente sobre os boateiros. Além do mais, somente pessoas mais próximas tem ciência que somos irmãos de criação. Não é o tipo de coisa que se sai dizendo por aí.


– Nossa, meninas! Olha como está tarde! Nem vi a hora passar! – Tadeu exclamou ao reparar o relógio digital da estante. – Eu acho que vou andando...
– Escuta, Tatá... Porque não dorme aí? Eu ficaria mais tranquila se deixasse pra ir pela manhã... – Ponderou Nicole.


– Ah! Não... – Meu amigo respondeu sem graça. – Não posso... Não quero incomodar...
– Olha, a casa só possui um quarto, mas não é incômodo nenhum pra mim. Se você não se importar de dormir no sofá... Mas garanto que ele é bem confortável!


– Eu nem trouxe roupa para dormir, nem nada...
– Ei! – Exclamei – Pára de inventar desculpa! Você pode dormir de calça... Ou de cueca... Ah! Ou será que está com medo de ser atacado por duas mulheres na madrugada, Tatá?


– Medo?! Eu tô mais é torcendo pra isso... Seria uma ótima oportunidade de perder a virgindade em alto estilo!
– Seu tarado sem vergonha! – Xinguei empurrando-lhe o ombro, embora em meio a uma crise de riso.


– O ponto negativo seria a surra que eu ia tomar de um goleiro e um zagueiro, né? Se bem que... Se vier um de cada vez eu até encaro...

Nicole apenas gargalhava de toda aquela bobice. Era bom ter uma conversa descontraída outra vez.


Antes de me recolher ao quarto de Nicole, passei novamente na sala.
– E aí, Tatá? Tá tudo bem? Precisa de mais alguma coisa?
– Não, Léo... Está tudo ótimo... A Nix me deu três travesseiros e uma manta bem quentinha...


– Qualquer coisa bata lá porta do quarto, tá? Sem problemas...
– Prefiro não arriscar. – Brincou. – Obrigada pela noite de hoje, Léo. Por me apresentar a Nicole e pela confiança de me contar tanta coisa tão íntima... Mesmo a gente se conhecendo há muito pouco tempo, eu gosto demais de você, te admiro e te considero minha melhor amiga.


Eu o puxei e abracei apertado.
– Eu que agradeço, Tatá... Por ser uma das pessoas mais maravilhosas a fazer parte da minha vida.
– Certo... Mas ainda tenho meus hormônios e nós estamos em trajes mínimos, então, por favor, tome cuidado com essas demonstrações de afeto. – Provocou.


– Com quem você tem andado pra ficar falando esse tipo de obscenidade, heim?
– Ué! Não sabe, não? Com você!


Tatá foi embora – com tristeza no olhar, devo dizer – logo após o desjejum, quando Nicole também voltou para seus croquis, e eu me entreguei de volta ao tédio.
– Está tirando minha concentração, palhaça! – Nicole reclamou, ainda que em tom de piada, ao me ver fazendo caretas por baixo do tampo do vidro da mesa de jantar.


Eu me desdobrei pra sair dali e me levantar.
– Desculpa, Nick! Mas não dá pra dar um tempinho nisso aí, não? Vamos dar um pulo no shopping, ou no salão... Minhas unhas estão horríveis.
– Suas unhas estão ótimas... Seu problema é noutro lugar...


– Você é uma devassa, Nicole! Só se veste nessa pele de santinha...
– É... Eu sou o tipo boa moça... Ganho pontos assim... Você devia aprender... A ser comportada nos momentos oportunos.

Não é que Nicole fosse falsa, longe disso. Apenas era inteligente e centrada o suficiente para saber como agir de acordo com cada situação.


– Nha... Não sei fazer isso bem... Ser simpática, boazinha e dedicada. Principalmente com aqueles que não me dizem nada...
– Desculpa, amiga, você está certa... – Confessou. – Eu vivo querendo te mudar, e esqueço que amo você por ser justamente do jeito que você é. Não me dê ouvidos e continue sendo autêntica. Foi isso que nos aproximou, e é isso que faz de você, única.


Eu pulei em seu colo sem me importar com os objetos ao redor.
– Oh, Nick! Que fofa! Casa comigo?
Nicole riu, dando-se por vencida.
– Tá legal, Léo... Não vou conseguir fazer nada com você agitada desse jeito dentro de casa. Se arruma, vai... Vamos fazer umas comprinhas e sentar em algum lugar pra comer.


A visita ao shopping serviu para distrair e passar o tempo. Quando paramos para almoçar já era bem mais tarde que o habitual.
– Que horas será que termina esse jogo? Eu me esqueci de perguntar...
– Pedro disse que chegaria antes de anoitecer, não disse?


– Então não é melhor pedir a conta, heim? Ele pode chegar antes da gente e dar de cara com a porta trancada...
– Léo! Você encheu a droga do saco pra sair porque não tinha nada pra fazer, agora está aflita pra voltar! Se ele chegar antes, ele vai esperar, não vai? Ou vai dar um jeito de ligar! Pelo amor de Deus! Tá me deixando maluca!


Está bem, eu sei que Nicole tinha razão – mais uma vez – mas e daí? Eu estava a ponto de ter um colapso, tamanha é a falta que ele me faz. Minha amiga reparou meu olhar de resignação para algum ponto da mesa e, com um aceno, chamou a garçonete.
– Pode fechar a nossa conta, por favor?


Assim que chegamos a sua casa, Nicole – praticamente encarnando o espírito da tia Deborah – mandou-me para debaixo do chuveiro.
– Vai tomar um banho, Léo! Você está precisando de uma boa relaxada! Leve o tempo que precisar!
– Calma! Tô indo, tô indo! – Reclamei quando ela me empurrou banheiro adentro.


Eu devo ter demorado. Pois me sentia renovada quando saí do banheiro, ainda envolta em toalhas. Uma delas cobria meu corpo, a outra estava enrolada nos cabelos. Não estava preparada para dar de cara com ele. Meu irmão estava parado de pé ali de frente para a porta, parecendo apenas esperar por mim.


Atirei-me sobre Pedro, como tantas vezes já fizera, mas desta, com uma emoção completamente diferente.
– Eu não trouxe o seu presente. – Ele disse baixo ao meu ouvido. – Não vi nada que você pudesse gostar, e como não existe nenhuma parte minha que já não seja sua... Eu não sabia o que poderia te dar. – Suspirou desanimado.
– Isso significa que eu já ganhei, então...


Pedro segurou meu rosto com as duas mãos para me encarar por alguns segundos antes de me beijar. Um beijo longo, embora impaciente, como se tentasse compensar o tempo perdido. Foi o suficiente para minha tensão voltar à tona com força total. Em minha mente, praguejei por não estarmos em nossa casa.


Afastei-me antes de perder o controle.
– Uau! Sentiu minha falta tanto assim? – Ele perguntou, presunçoso.
– Deixa de ser convencido! Cadê a Nicole?


O gesto de Pedro o fez parecer constrangido antes de responder:
– Errr... O Neto veio comigo... Parece que Nick gostou da surpresa... Espero que suas coisas não estejam no quarto...
– Ain! – Gemi. – Não acredito que ela fez isso comigo! Olha como eu estou! Não posso nem ir ao quintal assim! O que vou fazer? Sentar e esperar?!


– Eu posso te dar várias sugestões, e o fato de você estar apenas de toalha só ajuda o processo...
– Ah, por favor! Não provoca! Ela podia ter pelo menos jogado minha bolsa pra sala!


Pedro sentou-se no sofá.
– Vem cá, vem... – Chamou malicioso, ainda que com um toque de súplica. – Já que você não quer me deixar extrapolar a criatividade na bancada da cozinha, deixa pelo menos eu te aquecer um pouquinho... Não quero que pegue um resfriado...


Senti-me coagida por não conseguir negar-lhe o pedido. Acomodei-me em seu colo e fui envolvida por seus braços.
– Você está cheirosíssima...
– Ah, é Victoria’s Secret... – Expliquei.


– Não! É Leandra Salvatore. – Retrucou tombando em minha direção e ao mesmo tempo me puxando para si. Estava tão tonta com aquilo que nem me importei d’ele me chamar pelo nome que eu odeio. – Não estou falando da fragrância de jasmim do seu hidratante. Eu me refiro ao cheiro natural da sua pele.


Meu irmão deslizou sua mão até minha nuca e eu entendi sua intenção.
– Não Pedro! Meu cabelo ainda está mo... – não adiantou, ele retirou a toalha enrolada na minha cabeça – lhado. Não faça isso! Eu fico horrível se não usar o “baby liss”!
Pedro não respondeu nada, continuava apenas me abraçando.


Com delicadeza, deitou-me no sofá e prendeu minhas mãos. Ele só podia estar maluco. Como eu me controlaria assim?
– Pedro, estamos na sala da Nicole... – Avisei inutilmente, uma vez que ele tinha plena consciência disso.
– Ela está muito ocupada agora, não vai aparecer por aqui.


Pedro investiu e colou sua boca na minha com voracidade. Em segundos a outra toalha estava no chão e eu me encontrava completamente entregue. Não me importava mais onde eu estava ou se haveria platéia. Minha libido sempre foi aliada dos meus instintos e traidora da minha razão.


No momento em que Nicole finalmente apareceu na sala, eu já havia me recomposto, embora Pedro ainda sussurrasse palavras de afeto enquanto alisava meu rosto.
– Léo, desculpa! – Pediu Nicole. – Esqueci completamente que suas coisas estavam no quarto!


Levantei-me mal-humorada para responder e então percebi o roupão e os cabelos presos por uma piranha denunciando que Nicole deveria estar bem à vontade no quarto. Não que eu já não desconfiasse.
– Dá pra você pegar, então?! Não tô a fim de incomodar! – Eu quase gritei.
Ela nem ligou para a minha irritação e respondeu em um tom debochado:
– Tem certeza que não quer entrar? O Neto tá peladão! Eu diria que é a visão do paraíso!


Pedro riu da piada e eu rosnei para ele:
– Não achei graça nenhuma!
– Ah, qual é?! Foi engraçado! – Ele respondeu.
Diante da cena, Nicole apelou para a chantagem emocional:
– Poxa, Léo! Você ia embora sem nem ao menos me dar tchau?


– Não! Óbvio que eu não faria isso! – Exclamei ruminando ainda o mesmo assunto dentro do carro, enquanto Pedro nos conduzia de volta para a UFEB. – Mas ela não podia ter me esperado sair do banho e me despedir, antes de se trancar com o namorado no quarto?
– Nem esperamos tanto, vai... Além do mais... Foi muito proveitoso... – Respondeu brejeiro.


Quando chegamos, Pedro levou minhas bolsas até meu quarto, colocou-as em cima da cama e em seguida me abraçou.
– Você se importa se eu dormir cedo? Eu estou morto!
– Ah, é?! E eu que acreditei na sua fama de incansável... – Impliquei de propósito.


Ele tentou se justificar:
– Eu joguei uma partida de futebol hoje também, esqueceu?
– Isso é uma desculpa esfarrapada! – Insisti.


– Ok, admito! Você me dá uma verdadeira surra nesse quesito, Léo... Por isso talvez eu nunca mais me recupere. – Confessou, creio eu que de brincadeira, enquanto já se dirigia para a porta. – Então acho que você vai ter que dar um jeito de cuidar mesmo de mim...


Alcancei-o antes que saísse, abraçando-o por trás.
– Eu vou sim, Pedro!

Meu rosto estava repousado em suas costas, o que me permitiu sentir a aceleração instantânea de seus batimentos cardíacos. Talvez ele não esperasse por aquela minha reação.


Naquela noite, voltei a dormir em seu quarto. Mas por não querer interromper seu sono, usei uma velha colcha como forro e acomodei-me no tapete ao lado de sua cama. Sua respiração era profunda, provavelmente por causa da exaustão do dia que tivera.
– Eu juro que vou cuidar de você, Pedro. – Prometi em oração, antes de me deitar.


Pensei de tomar uma enorme bronca de meu irmão, por conta da minha atitude. Porém, por algum estranho motivo que eu desconheço, ele não o fez, e quando acordei, ele já havia saído para o seu treino habitual.


Eu não tenho pretensão alguma de voltar às aulas, porque também não tenho pretensão alguma de concluir o curso para qual eu havia prestado vestibular no ano passado. Então, fui direto ao telefone, colher o máximo de informação, para que eu pudesse tentar cumprir minha promessa.


Mesmo assim, um pouco antes do meio-dia eu não tinha resolvido quase nada que gostaria, além de perceber que talvez fosse impossível conseguir sozinha. Portanto procurei pela pessoa que teria mais chances de me ajudar. Como previ, encontrei meu professor de sociologia quando regressava a sua sala, logo após terminar de lecionar as aulas da manhã.
– Yuri, posso falar com você?


A conversa com Yuri foi produtiva. Além de esclarecer várias dúvidas, meu professor me deu conselhos, me auxiliou na organização de minhas metas, e principalmente se prontificou a fazer tudo que estivesse ao seu alcance para me ajudar. Ele é realmente um homem extraordinário, e se não houvesse tantas pessoas entre nós, provavelmente poderíamos protagonizar uma bela história de amor. Certamente ele nunca deixará de ser especial para mim.


– Você sempre fez questão de me elogiar e ver o melhor em mim... Espero que também saiba o quão incrível você é!
– Talvez pra você, Léo... Sou um homem com dificuldade de aceitar meus próprios defeitos, mas estou me esforçando para lidar melhor com eles.


Abracei-o antes de me despedir.
– Para mim você sempre vai ser... Formidável!

Apesar de não estar o encarando, tenho certeza que seu sorriso perfeito estava estampado em seu semblante, quando me ouviu.


Voltava satisfeita após o encontro com Yuri. Mas minha alegria evaporou quando dobrei a esquina da minha rua e dei de cara com Eduardo. Sua presença parecia proposital pela pose que fazia apoiado a cerca viva que margeava toda a calçada. Deduzi que ele conhecia melhor os horários de Pedro do que eu.
– Olha só! A loira sempre tão cercada de machos andando sozinha pelas ruas do Campus...


Eu nunca tive paciência, mas desta vez eu não dispunha nem de tempo para responder. Tentei desviar e passar fingindo que não o via, mas ele segurou meu braço.
– Que pressa é essa, vadia?
Mesmo querendo acreditar que ele não se atreveria a me atacar no meio da rua, a cena de sua última investida dentro da minha própria casa estava tão fresca na minha memória que turvou minha visão. Impostei minha voz para fazê-lo pensar que eu não estava com medo.
– Estou ocupada demais para ficar ouvindo suas ofensas gratuitas, Eduardo. Solta o meu braço, por favor.


Ele obedeceu, e ao mesmo tempo proferiu:
– Eu sabia que tinha alguma coisa estranha aí, loira... Era muito sinistra essa relação de vocês... Você é mesmo muito ordinária, sabe que vai pro inferno por isso, não sabe?


Eu devia ignorar e seguir meu caminho, entrar em casa e me trancar, esperar por Pedro e contar-lhe sobre o quanto seu colega de equipe era problemático. Mas quando foi que tive coragem de me expor desse jeito? Por mais contraditório que possa parecer, eu prefiro enfrentá-lo.
– Você é doente, Eduardo! Vá se tratar!


Eduardo encarnou uma expressão de puro cinismo antes de revidar:
– Ah, é?! Você seduz seu próprio irmão, e o doente sou eu?
– Não valorize... Você joga com ele e sabe que não somos irmãos de sangue...


– Tudo que eu preciso, loira, é você nua em cima de mim... Tô me lixando pra qualquer droga de parentesco, só quero mesmo saber que tanto poder é esse, que deixa os caras de quatro... Me mostra, vai! Garanto que sou melhor que qualquer um que você já pegou.

Eduardo é um garoto bonito, no entanto, o jeito dele me enoja. Eu não sei se é só comigo que ele age assim, afinal, a Fernanda é apaixonada por ele, e quem se apaixona por um tipo destes?


– Eduardo... Sabemos que você me flagrou numa situação constrangedora. Eu vou ter que conviver com isso pro resto da minha vida... Mas, vamos lá... Se você se diz tão bom no “assunto”, não pode me julgar pelo que viu!
– A culpa é sua! Não consigo tirar a cena da minha cabeça... Ninguém mandou ser tão... Gostosa...


Não adiantaria argumentar, era melhor recuar. Dei-lhe as costas e segui adiante, ainda que fosse obrigada a continuar ouvindo suas barbaridades.
– Ainda nos encontramos numa quebrada, gata... Só nós dois! Daí, quero ver você resistir...


Bati a porta com a adrenalina ainda pulsando em minhas veias. Era estranho que eu não o odiasse mais. Pelo pouco que Tatá me contou e pelo que menos ainda consegui extrair de Zeca. Eu tinha pena. Dele e de Fernanda. Mais uma vez optei por não contar a ninguém, temia pela reação de meu irmão.


A impressão de que aquela semana se arrastava para terminar se devia ao fato d’eu estar a maioria do tempo ociosa, no telefone ou mergulhada no laptop pesquisando. E quando a sexta-feira chegou também não me deixou feliz.


Dr. Santana havia solicitado urgência na entrega dos resultados aos laboratórios onde fiz meus exames, e eles estavam prontos, assim como Dr. Santana estava para me dar o diagnóstico. Pedro – como não duvidei nem um minuto –, faltou ao treino e às aulas para me acompanhar.


– Quando me descreveu seus sintomas, imaginei estar diante de um caso clássico de Narcolepsia. Você sabe o que é isso, Leandra?

Dr. Santana, sendo amigo de meu pai, provavelmente sabia que sou caloura de Medicina. Porém, mesmo que eu fosse uma aluna dedicada, dificilmente já teria estudado isso, embora o termo não me fosse completamente desconhecido.


– Mais ou menos... É um distúrbio do sono, não é? Mas é isso que eu tenho? Quer dizer... Eu posso apagar a qualquer hora, em qualquer lugar? Tem cura pra isso? – Eu estava apavorada com aquela possibilidade.
– Espere, vamos com calma... – O médico sorriu compreensivo. – A Narcolepsia sugere uma predisposição genética, ou seja, costuma se apresentar em pessoas com antecedentes familiares, por isso procurei por seu pai para saber se Alice, ou algum de seus avós eram portadores de tal alteração. Mas não foi o caso, e de posse de seus exames, principalmente a eletroencefalografia, pude constatar que também não era o seu.


Pedro decidiu abrir a boca e seu tom de voz delatou sua preocupação.
– Mas se ela apresenta os sintomas... O que ela tem afinal?
– Leandra não apresenta todos os sintomas, apenas alguns. Embora bastante desagradáveis, os fenômenos de cataplexia, paralisia e alucinações que me descreveu nem sempre sugerem uma perturbação narcoléptica. Daí a necessidade dos exames. Com base nos resultados, no exame clínico e no que conversamos, mesmo tendo consciência de que essa mocinha não deve ter me confidenciado tudo, posso afirmar que sua sintomatologia foi uma resposta a situações emocionais bruscas, e nada mais grave.


Dr. Santana me direcionou a um homeopata, salientando que seria a melhor terapêutica para mim, além de aconselhar-me a procurar um psicólogo. Ainda na saída do consultório, prometi a Pedro que faria o tratamento homeopático, apesar de sempre ter acreditado muito mais na alopatia. Porém, não me sentia a vontade para procurar um psicólogo. Necessitava vencer alguns preconceitos primeiro.
– Não preciso de terapia. Tenho você pra desabafar. – Pendurei-me em seu pescoço, na tentativa de convencê-lo. Parecia ter passado tanto tempo desde a última vez que lancei mão deste artifício, que pensei ter perdido a prática.


Pedro levou seus dedos até um de meus cachos e me encarou.
– Eu não sou profissional, Léo... Além do mais, você não fala mais comigo como costumava. Antes...
– Mas é... Diferente agora, eu... Tenho certeza que posso voltar a ser como era...


– Acha que consegue? Mesmo estando comigo? – Questionou-me. – Não quero ter que escolher entre uma coisa e outra, deixo isso a seu encargo, mas gostaria de ter todas as “Léos”. Amiga, irmã, confidente, cúmplice, parceira... Amante e mulher.
– É o que mais quero...


Estiquei-me para beijá-lo, e ele me levantou. De corpo e de alma, desejo muito corresponder às suas expectativas e, se possível, superá-las. Estava mais que na hora de retribuir tudo que Pedro sempre foi para mim.


 – Vamos... – Chamou assim que meus pés estavam completamente de volta ao chão. – Seu pai e Dora estão nos esperando para um brunch.
– Como assim?! – Exclamei. – Você não me falou nada!


– Olívio deve estar preocupado e ansioso com o resultado destes exames. Você precisa tranquilizá-lo... E depois... Eu mal tenho conseguido dormir por conta do peso na minha consciência, Léo... Precisamos falar pra ele sobre nós. Aquele dia em que estivemos lá, eu não segurei a barra e contei pra minha mãe. Ela está em silêncio por minha causa, mas eu não posso permitir que continue omitindo uma coisa destas do próprio marido! Não é justo!

Lamentei demais que Pedro estivesse novamente com razão.


A comida apetecível não amenizou o clima em volta da mesa. Pedro estava estático, provavelmente pensando em algum modo de iniciar a conversa inadiável.
– Qual é o problema com vocês? Léo não está com nada grave, está? – Perguntou papai, apreensivo.


– Ah! Não, pai... Dr. Santana disse que eu estou bem. Apenas... Somatizei alguns problemas e...
– Problemas? Que tipo de problemas você pode ter, minha filha? Foi o seu namorado? Vocês terminaram, é isso? Por isso ele não tem aparecido com você?


David agora parecia tão distante no tempo, como se tivesse sido um de meus namoros do colegial. Tentei explicar:
– Bem... Nós rompemos de fato, mas... Não é que...
Pedro havia se levantado num ímpeto.
– Olívio... Podemos conversar no escritório? Eu e o senhor? – Pediu.


– Como assim, “você e ele”? – Exclamei exaltada. Eu fazia parte da história, não fazia?
– Desculpe, só... Pensei que talvez... – Ele respondeu vacilante. Toda a determinação que mostrara há alguns minutos se esvaíra.


– O que exatamente está acontecendo aqui? – Meu pai usou um tom mais alto ao se levantar também.
Minha reação foi imediata:
– Pai... É que eu e o Pedro... A gente tá namorando! Pronto. É isso!


– COMO É QUE É?!?!?! – Foi um urro tão forte que fui capaz de jurar que toda a vizinhança escutou.

Arrependi-me instantaneamente de não ter deixado Pedro conversar com ele em particular. Eu nunca soube uma forma melhor de dizer. Nunca. Imaginei ganhar um olhar de reprovação de meu irmão pela minha precipitação, mas ele estava tão compenetrado em resolver a questão que nem olhou pra mim.


– Olívio, olhe! Me deixe explicar... – Suplicou.
– Não tem explicação para isso, seu... SEU MOLEQUE! Isso é traição! Traição! Nunca passou pela minha cabeça que você fosse encostar um dedo sequer em minha filha! Como pôde fazer isso? Como pôde?!


Dora baixou a cabeça com desânimo e eu me levantei de sobressalto. Era meu pai, mas não podia deixá-lo falar com Pedro daquela maneira.
– Pedro não fez nada, papai, acalme-se. Ele sempre cuidou de mim e me tratou com respeito. Não é diferente agora. Apenas que... Estamos apaixonados.
Ele não me deu nenhuma atenção e continuou a gritar com Pedro.
– Eu sempre confiei em você, garoto! Porque me traiu desta forma?


O olhar de Pedro se perdeu e ele deixou seus ombros penderem. Entendi ali toda a sua resistência em me confessar seu amor. Ele realmente se sentia traidor da confiança de papai. No entanto, por mais complexa que fosse aquela situação, não me parecia nada justo.

– A culpa é minha... – Confessei num tom mais baixo. Sequer sabia culpa de quê, somente desejava aliviar o peso das costas do meu irmão.


– Cala a boca, Leandra! Você é uma menina!

Não é que eu esperasse que meu pai adorasse a notícia, nos abraçasse e nos parabenizasse, mas nem de longe imaginei essa reação tão avessa.
– Não sou não, pai! Não sou a garotinha inocente que você sempre idealizou! E se quer saber, fui uma péssima irmã pra ele! Porque nunca fui capaz de retribuí-lo a altura do que ele sempre mereceu!


– Não é verdade, Léo... – Pedro finalmente respondeu, em seguida voltou-se para papai. – Você tem toda razão, Olívio. E nada do que eu disser pode ter justificativa, portanto entendo caso não queira me perdoar. No início, lutei em vão contra meus próprios sentimentos por me sentir traidor e imundo. Fui um fraco, eu sei... Então jurei pra mim mesmo que viveria com isso e me controlaria para nunca tocar nela. E confesso que até estava conseguindo, mas... Ah, droga! O que estou dizendo? Não há desculpa! Eu falhei, eu falhei!


Corri para meu pai e o abracei, descansando minha cabeça em seu ombro.
– Papai... Eu estive tão fechada durante tanto tempo... Que foi preciso mamãe aparecer num sonho pra me fazer enxergar. Pedro abriu mão de sua carreira como profissional porque sabia o sofrimento que a nossa separação seria pra mim e pra ele. Por favor, se tem algum outro jeito, me diga como posso te explicar ainda mais e melhor tudo que ele significa pra mim?


Eu me afastei depois de alguns segundos e papai olhou para Pedro compassivo, mas não proferiu palavra. Só então percebi que Dora já havia levantado e estava com a mão em seu ombro, num gesto de consolo. Dr. Olívio sempre foi um homem sensato. Eu preferi pensar que quando a razão o alcançasse, a raiva se dissiparia.


Ainda em silêncio, meu pai deixou a sala. A comida intacta desperdiçada sobre a mesa me causou um incômodo que nunca me preocupara antes. Fiz menção em segui-lo, porém Dora me impediu.
– Deixa, Léo. Espera ele pensar um pouco, e eu prometo que me encarrego do resto.


Minha madrasta pediu licença e foi para a cozinha pedir à criadagem que limpassem a mesa. Quando procurei por meu irmão ele estava prostrado de frente para a janela, mas duvido que estivesse apenas apreciando a paisagem, na verdade nem sei se realmente olhava alguma coisa.
– Pedro... – Chamei tão baixo que podia ser apenas um pensamento.


– Vai ficar tudo bem, você vai ver... – Tentei confortá-lo, envolvendo-o pelas costas com meus braços.
– Tudo o que tenho hoje eu devo ao seu pai, Léo. E como foi que eu retribuí? Me apossando do seu maior tesouro! Ele pode até aceitar, mas nunca vai me perdoar, e eu não posso tirar sua razão.


Mesmo que ele resistisse um pouco, girei Pedro de frente para mim, para que me encarasse ao lhe dizer:
– Não há o que ser perdoado, se você não fez nada errado, Pedro.
– Será? Porque me sinto um criminoso, então?


– Você me pediu todas as Léos, não foi? Então aceite todas na mesma intensidade. Não deixe que a irmãzinha que você adora sobrepuje a namorada que te ama.
Diante daquela confissão, Pedro mudou seu humor e adotou um olhar completamente cafajeste:
– Então... Minha namorada me ama, é?


Não acho que ele tenha dúvida, estava gostando de fazer um charminho. Ao invés de usar palavras, resolvi responder-lhe com um beijo apaixonado. Eu ainda estou tentando ajustar e entender os sentimentos dentro de mim. Porque eu sei que já o amava antes, mas não desta forma, não com esta intensidade, nem com tanto desejo.


Despedimo-nos apenas de Dora. Papai fechou-se em seu quarto e não quis descer. Eu conseguia compreendê-lo, mas sentia-me horrível por meu irmão.
– Pedro, meu bem, não fique triste... Eu tenho certeza que é pura questão de tempo. Não tenho em meu coração, nenhuma desconfiança que ele te ame como a um filho. Então sei que vai deixar alguns tabus de lado e logo estará abençoando, e até gostando muito dessa idéia... Afinal, quem ele acha que poderia ser melhor pra cuidar de sua princesa?
– Ah, mãe! Nem vale, vindo de você! – Ele sorriu em reposta, e esse seu gesto me tranquilizou.


Eu concordava com cada palavra de minha querida madrasta. Ela me deu um abraço confortador.
– Se serve de consolo, eu estou muito feliz por vocês dois, Léo...

O que Dora não sabia, é que sua felicidade era muito mais do que um simples consolo. Afinal, havia sido o filho dela quem abrira mão de seu sonho.



2 comentários:

  1. Aff! Que libido este povo tem!
    huasuashuashaushaushuahsuahsuahsuahsuahsuahsuahhuash
    Doda abusa... =S
    Pedro e seu Olívio... snif
    Hoje sou só emoticons!
    S2

    bjbj *.*

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  2. Hauhsuahsuah, um fogo que não acaba! Hormônios! Haushaushaushua XD
    kkkkkkkkkkkkkkkkk Eles bem podiam arranjar uns emoticons, né??? =/


    Obrigada! bjks

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