terça-feira, 16 de novembro de 2010

XXIV – Fim de Festa

Ainda estava tonta quando abri os olhos. Mesmo assim foquei outro par mirando os meus. Eu não estava sonhando. Que cor de íris era aquela?
– Bom dia, menina, dormiu bem?


Eu só não tomei um susto, porque estava lerda demais. Abri a boca, mas não sabia o que perguntar primeiro. Ele levantou assustado com minha reação, e percebi que estava nu. Provavelmente eu também devia estar. Eu me encolhi na cama, tentando me tampar.


Ele abaixou-se calmamente na beirada da cama:
– Por favor, não entre em pânico. Não sou nenhum pervertido ou algo do tipo, tá legal?
Não devia ser mesmo. Não era a primeira vez que eu acordava desorientada depois de uma noitada de dança e gim, mas nunca com alguém desconhecido.


 – Ah, tudo bem... – Demorei meio século para responder.
– Posso usar sua cozinha para preparar um café pra gente, Léo?

Opa!


Eu estava em desvantagem. Era um alívio descobrir que ele sabia o meu nome, por outro lado, era constrangedor que eu não lembrasse o dele. Ele estava de pé e eu pude admirar sua beleza por completo.
– Claro. – Limitei-me a dizer quando sentei na cama. Eu queria que ele saísse dali para eu poder levantar e me vestir.


– O que você gosta de comer pela manhã? – Ele perguntou já de saída.
– Qualquer coisa... Não! – Pensei melhor. – Frutas! – Imagine se ele resolve fazer ovos com bacon!


Deparei-me com minha roupa no chão quando levantei. Como eu pude ter sido tão descuidada? O lindo vestido que usei na noite anterior jogado de qualquer jeito. Estiquei-o em um cabide antes de entrar no chuveiro e lentamente a minha memória foi voltando, trazendo as lembranças aos pedaços, incompletas.


Quando saímos da república, passamos na minha casa apenas para pegar algumas coisas necessárias para a noite. Não me demorei, pois tive receio de Pedro vir atrás de mim. Não estava a fim de discutir o assunto Penélope mais uma vez com ele, aliás, eu preferia fingir que ela não mais existia, porque meus pensamentos eram cruéis demais.


Depois fomos direto para casa de Tatá e lá mesmo tomei os primeiros drinques, enquanto ele tentava encontrar um programa decente em plena quarta feira. Já saí calibrada mesmo antes da noite começar.


Lembrei-me da aproximação do cara que estava agora na minha cozinha. Do quanto nos divertimos na pista, e do quanto ele emanava sensualidade ao dançar. Esbarrava seu corpo no meu quase sem querer, sem vulgarizar nossos movimentos. Ele só podia ser profissional!


Não posso nem culpar a bebida. Da forma que aquele homem se apresentou, e no momento da minha vida em que ele apareceu, eu não precisaria de uma gota de álcool para ter me entregado da maneira que me entreguei. Lembrei-me de sua habilidade gentil ao me tocar, mas de jeito algum conseguia lembrar seu nome.


Ele já estava completamente vestido, e terminava de preparar alguma coisa quando eu surgi na cozinha, de roupa de dormir.
– Desculpe. – Pedi.
– Pelo quê, gata?


– Eu não consigo me lembrar do seu nome... Eu juro que me lembro até de alguns detalhes da nossa noite, mas não consigo lembrar seu nome.
– Bom, então você se lembra do mais importante! Ou pelo menos... Do mais divertido? – Ele abriu um sorriso cheio de dentes. – Venha comer.

Eu não sei se ele insistiu em não falar seu nome apenas para fazer charme.


Eu até achei bonitinho, mas não aliviava minha agonia em querer saber. Por isso, não tinha dado a primeira garfada na bela salada de frutas que ele havia preparado, quando perguntei:
– Não vai mesmo me dizer como se chama?
– Eu posso dizer meu nome... Assim como disse na noite passada, quando perguntou... Aliás, foi um momento curioso... – Ele sorriu com malícia, e tentei recordar o momento.


Mas o nome não me voltava à mente de jeito nenhum:
– Bom, ali eu sabia suas motivações... Porque quer saber agora?
Eu queria muito mesmo, definitivamente pela agonia de não saber o nome da pessoa com a qual eu acabara de dormir.
– Eu preciso ter motivações pra saber o nome da minha companhia no café da manhã?


– Está certo... Eu me chamo Nuno. Não posso nutrir esperanças de encontrar você outra vez, não é?
Eu fiquei condoída.
– Olha, Nuno... Eu...


Não pude completar o que nem sabia ao certo dizer. A porta da sala se abriu e Pedro entrou chamando por mim.
– Léo! Estou desde ontem atrás de você! Onde foi que...


Ele calou e parou ao reparar na figura estranha senta à mesa comigo. Foram alguns segundos de tensão enquanto ele tentava interpretar o que via. Eu ainda estava magoada demais para tentar uma aproximação, nem uma desculpa. Sequer uma explicação.


– O que está acontecendo aqui?! – Ele indagou como se ainda fizesse parte da vida naquela casa. Estava visivelmente transtornado com a cena.
– Desjejum. – Respondi com descaso.

Em meio a isso Nuno olhava pra mim e para Pedro, sem saber o que fazer.


Pedro fingiu que não ouviu minha resposta.
– Onde foi que você se meteu? Tem alguma noção do quanto eu fiquei preocupado com você?
– Ah, ficou é? – Mantive firme o meu desdém.


Nuno levantou.
– Desculpe, amigo... Não fomos apresentados... Sou Nuno...

Pedro não respondeu.


Eu não sei o que deu em meu irmão. Ele simplesmente agia como se não houvesse ninguém ali. E fez isso tão bem, que eu mesma quase acreditei que Nuno era fruto de minha imaginação.


Deixei a cadeira, surpresa. Ia questioná-lo sobre suas boas maneiras, mas, mantendo o desprezo pela presença que desconhecia, ele se antecipou:
– Léo... Sobre o que aconteceu na república...
– Eu não quero falar sobre isso!


– Mas eu preciso... Eu... Lamento muito mesmo, Léo... Não esperava que a Pê...
– Ah! Você lamenta, não é? – Eu o cortei, já bastante aborrecida. – A droga é que você só lamenta, Pedro! É só isso que você faz! Lamenta pelo David, lamenta pela... Vaca da Penélope... E não é nem você quem tem que lamentar!


Diante daquela baixaria, eu não poderia nem reclamar de Nuno estar interpretando tudo errado.
– Léo, eu posso ir embora se vocês precisam conversar...


– Léo... – Meu irmão mais uma vez ignorou minha companhia. – Você tem razão em estar chateada, mas eu conversei com a Pêpa, e...
– Qual é o seu problema, Pedro? Você é cego? Ou surdo? Ou idiota?


Nuno deixou de vez a cozinha e tomou o rumo da saída. Eu não queria que ele fosse embora e nem sabia o motivo. Eu nunca estive tão confusa em toda minha vida. Pedro agora o acompanhava com o olhar, e eu achei que esperava que Nuno saísse para me responder.


– Você pode me ouvir um minuto?
– Não, Pedro, não posso! Você viu o que acabou de fazer?


– Eu não fiz nada, mas agradeço que ele tenha feito o favor de se retirar.
– Favor para quem? Quem te deu o direito de entrar aqui desse jeito?! E eu não te devo satisfações.


– Não estou pedindo satisfações, Léo... O que faz do seu corpo não é problema meu!
– Ah, olha só quem está falando...


– Não vim aqui brigar! Você saiu feito uma louca ontem da república, eu fiquei preocupado...
– Louca?! Eu?! – Eu já estava aos berros.


– Olha, a Pêpa... Ela também está péssima.

Eu fui obrigada a soltar uma risada de escárnio.
– Ah, ela está? Uma lástima, não é? Como é que não decretaram luto oficial por causa disso?


– Porque você sempre tem que ser tão sarcástica, Léo? Não pode simplesmente falar sério comigo? Eu sei que nada se justifica, mas ela parece arrependida... Não dá pra você considerar, isso?
– Olha, desculpa, Pedro, mas não dá! Talvez, no leito da minha morte, precisando do perdão eterno... Talvez, eu considere... – Eu parei e ponderei. – Pensando bem... Nem assim.


– Eu vim aqui ontem... – Ele mudou subitamente o foco do assunto, e o tom de voz. – Depois que saiu daquele jeito. Mas não havia ninguém... Nem você atendeu seu telefone, eu não esperava que me atendesse, mas... Bom, eu queria saber se você ia ficar bem...
– O que está fazendo naquele lugar, Pedro? Eu consigo entender que eu estivesse te sufocando, que não me suportava mais... Mas porque lá?


Eu baixei a cabeça, desarmada, enquanto meu irmão pegava um cacho de meu cabelo.
– É isso mesmo que você pensa? Que eu não suporto você?

E o que mais poderia ser? Porque ele não vacilou ao me abandonar? Não tinha outra explicação, tinha?


Ele brincou com a mecha até encontrar meu queixo, me obrigando a encará-lo.
– Ah, Léo... Queria tanto que as coisas fossem mais fáceis!

Eu estava com tanta raiva dele por fazer isso comigo! Por me deixar aqui sozinha, por ir morar com a Penélope, por não ter revidado o tapa que ela me deu.



Estava com raiva por me fazer sentir tanta saudade dele. Não consegui falar nada e me joguei no seu colo como fiz tantas vezes, mas desta, a única coisa que queria em troca, era o seu calor.
– Desculpe. Eu sou horrível. Eu não mereço você, nem meu pai, nem nada do que eu tenho.


Não consegui conter as lágrimas e esperei pela dor peculiar. Mas por algum motivo que não sei explicar eu não senti. Pedro ainda me segurava forte.
– Como pode dizer isso de si mesma, Léo?! Você é fantástica! – E então completou quase sussurrando. – Apenas não descobriu isso ainda.


Ele deu o tempo que eu precisava para me recompor, então pousou os braços nos meus ombros.
– Eu não vou ficar na República.
– Não? – Perguntei cheia de esperanças.


– Aquele telegrama... Era um convite para fazer um teste. Um olheiro me achou, e me recomendou, Léo... É um clube grande, uma grande chance pra mim.
– Ah, Pedro! Que ótimo! Você merece!


Eu não entendo absolutamente nada de futebol, então nunca poderia avaliar a qualidade de jogador de meu irmão, mas eu sempre o achei perfeito, em tudo que se dedicava a fazer.
– Obrigada, Léo... – Ele agradeceu constrangido e seu sorriso se perdeu, me indicando que a notícia não havia sido dada por completo. – Só que... É em outro estado.


Minha visão escureceu e minhas pernas fraquejaram. Mas não devo ter apagado todo, porque senti Pedro me amparando.
– Léo! Léo! Olha pra mim! – Eu o ouvi me chamar, mas não conseguia enxergar seu rosto. – Léo, pelo amor de Deus! Responde, Léo!


Tive a sensação de ser carregada. O tempo todo, eu ouvia meu irmão chamar meu nome, agora com menos urgência, e muito perto do meu ouvido. Eu tentava responder, mas não tinhas forças nem pra abrir os olhos.


Fui colocada na minha cama, sabia que era a minha pela textura do meu lençol de algodão 300 fios e o meu perfume gravado no travesseiro.
– Léo... – Ouvi meu nome mais uma vez. – Você pode me ouvir? Me dê algum sinal!


Senti a energia voltando gradativamente ao meu corpo. Abri os olhos e estiquei a mão para tocar o braço de meu irmão.
– Eu vou ficar bem… Eu só exagerei na bebida ontem, desculpe.
– Ah, Léo! Eu vou trazer a salada de fruta que deixou inteira na cozinha. Quer um sanduíche?


Eu devia estar feliz por ele, era meu dever como irmã, apoiá-lo e incentivá-lo neste momento, mas tudo que fiz foi desmaiar. E eu não queria que ele fosse. Não queria mesmo! Pedro retornava da cozinha com meu prato, um pouco mais animado agora.
– Aqui, coma...


Acontece que alguma coisa pressionava meu estômago. Como eu conseguiria comer?
– Obrigada, Pedro... – Agradeci, mas disfarçadamente deixei o prato ao meu lado na cama, intocado.
– Eu... Não sei mesmo se vou passar no teste, Léo...


Porque eu achei que havia conseguido disfarçar meu descontentamento?
– Ah, Pedro! Não! Eu juro que estou feliz! – Menti. – Você é o melhor... Melhor...
– Zagueiro... – Ele me ajudou. Claro que eu nunca decorava as posições.


– Isso! Você é o melhor zagueiro do mundo, que eu sei!
– Ah é, “Dona Léo”?! E o que é que a senhora entende de futebol, heim? Heim? – Ele me desafiou ao mesmo tempo em que me enchia de cócegas.

Meu irmão estava tão feliz que mesmo que minha vida dependesse disso, jamais pedira para não ir. Era uma briga feia em minha consciência.


– Pára, Pedro! – Pedi fazendo bico, e por alguns segundos viajei até minha infância, quando ele costumava quase me matar sem fôlego de tanto rir. Suas mãos, sempre rápidas e ágeis, alcançavam minha barriga e axilas antes d’eu conseguir fugir.


– Eu ainda tenho alguns dias, então... Estava pensando em perguntar se você me aceitaria por aqui até lá...

Uma resposta óbvia, para uma colocação errada. A pergunta certa seria “Quer que eu passe meus últimos momentos na cidade com você?”, mas até aí, ele conseguia aliviar minha culpa.


Portanto, eu não precisei dizer. Apenas pulei em seu pescoço.
– Ah, Pedro! Eu vou poder te visitar, não vou?
– Claro que vai, Léo! Sempre que quiser...


Naquela mesma noite, Pedro regressou com sua mochila. Eu ainda não tinha coragem de perguntar quantos dias nos restavam. Só queria aproveitar o máximo possível esse tempo que teríamos juntos.


Ele estava deitado em seu quarto, lendo, quando eu entrei sem bater, carregando o meu travesseiro.
– Posso dormir com você hoje?

Meu irmão sorriu. Provavelmente pela mesma lembrança que me voltava agora.


Desde que recebi a notícia da morte de minha mãe, eu passei a ter pesadelos. Nunca lembrava o conteúdo, mas, algumas noites, acordava assustada, com taquicardia e falta de ar. Antes de meu pai casar-se novamente, eu me aconchegava ao lado dele em sua cama, toda vez que isso acontecia.


As coisas mudaram com a chegada de Dora, e acabei encontrado a porta do quarto de papai trancada. Quando ia bater para acordá-lo Pedro me encontrou no corredor.
– Está tudo bem, Léo? Precisa de alguma coisa?
– Estou com medo, tive um pesadelo, quero o meu pai. – Respondi aos soluços.


Percebendo o que provavelmente se passava lá dentro, Pedro sugeriu:
– E se hoje eu cuidar de você? Eu posso ficar do seu lado até você dormir...
– Não, porque você vai embora e eu vou acordar de novo...


– Prometo que não irei...

Desde aquela noite, eu passei a só procurar a cama de Pedro para me livrar dos sonhos ruins, que com o tempo foram diminuindo até finalmente eu não tê-los mais.


Agora em nossa casa no Campus, Pedro largava a revista e abria um espaço pra mim em sua estreita cama de solteiro.
– É meio apertada... Mas acho que cabemos, vem...


Aconchegada e aquecida em seu peito, não me importava se era impossível me mexer. Por sua vez, Pedro parecia uma estátua, preocupado que estava em não me incomodar.
– Obrigada! Você é o melhor irmão que alguém pode querer... – Agradeci buscando seu olhar.


Deitei meu rosto e fechei meus olhos. Mas antes de adormecer, pude sentir a frustração em sua voz ao me responder:
– É... Eu sei...



4 comentários:

  1. Mew... Ela acordou com um gato do lado e foi dormir com outro: no mesmo dia!!!!!!
    Ela nasceu com o bum virado para lua e nem se deu conta! rsrsrsrsrsrsrsrsrsrsrs

    AMO!
    bjosmil! *.*

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  2. Hahsuahsuahusa! Chega a dar raiva! Essas coisas não acontecem comigo! XD
    Obrigada queridona!

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  3. O Nuno é muito lindo, omg... hehe!!
    E foi exatamente o que a Carmita disse, ela acordou com um gato do lado e foi dormir com outro no mesmo dia! To adorando, e adorei as fotos na hora que ela deitou com o Pedro. Estão lindas!
    Beijoss

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  4. Oi, Vic!!! Muito obrigada!!!

    O Nuno é um gato mesmo e a Léo é uma sortuda! Hahahaha!

    Desculpe a demora pra responder, sou novata em blogs e demorei pra ver seu coment!

    ..: Bjks :..

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