domingo, 14 de novembro de 2010

XXIII – Fofocas

Tatá estava na porta me esperando e isso não me surpreendeu. Trazia com ele a minha bolsa que eu nem lembrei de pegar. Olhava atordoado, e eu tinha certeza que ele estava louco para despejar uma tonelada de informação em cima de mim, e perguntar mais uma outra. Esperava com aflição o momento oportuno, graças a Deus.


Meu professor abriu a porta do seu carro para eu sair. Que tipo de homem ainda faz isso hoje em dia? Mas não pude prestar muita atenção, os trejeitos de Tatá estavam me deixando nervosa, eu quase podia ouvir seus batimentos cardíacos.


– Obrigada, Yuri. – Apressei-me na despedida, com medo de meu amigo ter uma síncope.
– Léo... Qualquer coisa que precise... Qualquer coisa mesmo...


Antes que eu pudesse agradecer novamente, Yuri levantou meu rosto e beijou minha testa. Senti a temperatura do meu corpo subir e meus músculos se retraírem, fazendo com que eu me encolhesse.
– Fica bem... – Desejou sem me dar nem uma dica se havia percebido meu vacilo diante de seu gesto.


Depois entrou no carro e partiu sob o olhar chocado de Tatá. Minha expressão não devia ser muito diferente, mas não pelos mesmos motivos.
– Léo, isso não vai prestar! – Disse Tatá ainda com dificuldade de movimentar a boca.


Quando eu entrei pela sala, ele já estava tagarelando atrás de mim:
– Que idiotice foi aquela do David no pátio? Ele cheirou fralda suja, foi?
– Isso você vai ter que perguntar pra ele, Tatá... Não quero falar no David, sinceramente...


– Mas vai ter, Diva... Não se fala de outra coisa em toda a UFEB... Afe! – Bufou. – Aquela “creTina” não chega ao seus pés, o que ele está pensando?
– Com certeza diferente de você, Tatá... E falar, sempre falam mesmo! É inevitável.

Eu estava tentando me convencer, mas a verdade é que David tinha me decepcionado demais. Eu nunca me senti tão humilhada.


Deixei meu corpo desabar sobre o sofá, sem ânimo. Tatá sentou-se ao meu lado.
– Loira... Eu adoro você, você sabe...
– O que é, Tatá? É pior do que o que eu penso que seja?


– Ah, Léo! É por causa do Yuri! Pronto! Falei!

Eu me endireitei no sofá, de supetão.
– O que o Yuri tem a ver com toda esta história?!


– Você quer saber o geral, ou tintim por tintim?
– Desembucha logo, meu Deus!


– É que... Quando seu namorado Semi-Deus chegou abraçadinho com a piriguete no Centro Acadêmico...
– Ex-namorado! – Frisei, interrompendo-o irritada. – E me poupa, Tatá... Essa parte eu vi!


– Bom, Léo... Não foi todo mundo, mas... Alguns viram você sair amparada pelo seu professor “TDB” de Sociologia... E, bom... Já tinha aquela fofoca do almoço anterior a essa, que-aliás-você-não-me-contou-e-eu-fiquei-muito-magoado-mas-não-perdi-a-esperança-que-você-ainda-me-confidencie-sobre-isso-e...
– Tatá, foco! – Exclamei quando o interrompi pela segunda vez seguida. Ele nem estava respirando onde deveria haver vírgulas.


– Então... David não desmentiu nada e tão achando mesmo que você ta tendo um caso com o Yuri... Você está?
– Tadeu Flores! Eu não admito isso de você!


– Meu Deus, meu nome completo... – Disse baixinho, para si mesmo, antes de se desculpar. – Ok, Diva, “sorry”! Mas eu precisava perguntar...
– Mas que droga! – Praguejei por tudo que teria que enfrentar dali em diante.


Foi então que me dei conta de que as consequências maiores não cairiam sobre mim.
– Isso é horrível... – Resignei-me.

Eu realmente era nociva, uma erva daninha, eu só imputava dor àqueles que se aproximavam.


– Não desanima, Léo! A gente tá do seu lado!

A gente? A gente quem? E depois, a quantos mais eu iria causar sofrimento?
– Tatá... Eu estou exausta... Preciso descansar... Será que podemos continuar essa conversa amanhã?


– Você não vai mesmo me contar, não é? Você não confia em mim.
– Não foi muito diferente do que você soube... Com exceção do meu caso com o professor... Eu te prometo que conto, Tatá... Mas não agora... Não hoje, preciso mesmo descansar.


Meu amigo atendeu meu apelo e me deixou. Eu passei quase uma hora na banheira, tentando compreender como minha vida podia ter virado de cabeça para baixo em tão pouco tempo. Porque eu me encontrava tão sozinha? Só podia ser minha culpa, mesmo assim, não conseguia enxergar onde foi que eu errei.


Fui interrompida pelo telefone. Saí de qualquer jeito aos tropeços e me enrolando na toalha.
– Alô.
– Léo? – Como era um alívio escutar a voz tímida de meu irmão do outro lado da linha.


– Sou eu, Pedro. – É claro que ele não precisava se identificar. – Eu... Queria saber como você está... Você está bem, Léo?

Aquela pergunta era até ridícula, porque eu achava bem óbvio que eu não estava bem. Mas tudo poderia ser pior. Se ele não ligasse seria pior.


– Estou sim, Pedro. Estou bem...
– Eu soube sobre o David, Léo... Eu lamento, de verdade... Eu espero que você saiba que nunca compactuaria com isso.


– Eu não quero falar sobre David, se não se importa...
– Claro, me desculpe... Eu só liguei pra falar, que se você precisar de alguma coisa... Qualquer coisa... – Ele repetiu a frase que eu ouvira mais cedo, do meu professor.


O que eu queria eu não iria pedir. Ele parecia melhor longe de mim.
– Eu sei, Pedro... Obrigada. Eu estou com sono, vou dormir agora.

Era isso. Talvez eu devesse mesmo me afastar de quem eu amo, de quem eu gosto. Era mais seguro. Pelo menos para eles.


Na manhã do dia seguinte, olhando com tristeza para Yuri enquanto ele falava com aquele seu jeito peculiar diante da turma, eu tomei consciência que assistia minha última aula de Sociologia.


Foi a primeira vez que não falei com meu professor depois da aula. Eu já estava com minhas coisas no colo, e disparei pela porta quando ele disse seu “Até a próxima!”, expressão com o qual sempre encerrava.


Só fui reencontrar meus amigos no laboratório. Tatá, Geórgia e Augusta me olhavam desconfiados.
– Eu estava com pressa. – Limitei-me a dizer.


Inventei uma desculpa para não almoçar com o trio, e aguardei por Yuri na porta de sua sala. Não foi uma longa espera, mas nem por isto foi pouco torturante. Passei aqueles poucos minutos ensaiando frases que de nada adiantaram quando me deparei com aqueles olhos verde-esmeralda.


– Pensei que estivesse “de mal” comigo! – Ele disse num tom de brincadeira, mas seu sorriso se perdeu logo que encarou meu olhar. – Aconteceu alguma coisa? Digo... MAIS alguma coisa?
– Podemos conversar na sua sala? Não quero que vejam a gente aqui fora.


Mal Yuri bateu a porta atrás de si, já começou um discurso inflamado.
– Olha, Léo... Eu conheço minha conduta e não ligo para fofocas. Acho que você também nã...
– Eu vou trancar sua matéria. – Falei num ímpeto, não o deixando completar.


– Não você não vai, nada!
– Eu não estou pedindo sua permissão. Só achei que merecia uma explicação antes d’eu não aparecer mais na sua aula e de você receber a nova pauta sem meu nome.


– Não seja ridícula, Léo! Está tão preocupada com sua reputação assim?! – Yuri perguntou irritado.
– A minha reputação sempre me importou e isso não devia te aborrecer! – Falei enfática e energicamente, mas ferida com o seu pré-julgamento sobre minha atitude mais uma vez.


Yuri interpretou erroneamente minha intenção. Mas eu já devia estar acostumada. Meu temperamento, e mais ainda meu comportamento sempre causaram essa impressão. Que ele pensasse assim, então. Seria mais fácil convencê-lo.


– O que você vai alegar?
– Eu não preciso justificar o trancamento de uma matéria... Isso está no regulamento. Eu só não posso trancar novamente, nem repetir... – Bom, isso talvez fosse um problema.


– O que estou perguntando, é o que você vai falar para as pessoas que supostamente merecem sua satisfação. E pelo visto essas não são necessariamente as mesmas que gostam de você.
Ele estava pegando pesado comigo.
– Vou precisar de sua ajuda nisso.


– Você só pode estar brincando! – Ele riu de nervoso.
– Não vou te pedir grandes coisas... Só que não me desminta... Vou dizer que estava perdida na matéria e preferi trancar a ser reprovada. Eu nem frequentava a aula, antes de v...

Eu não completei. Mas obviamente ele entendeu. Desde quando eu confessava esse tipo de coisa?


– Por favor, pense um pouco mais nisso...
– Eu já pensei. – Não era de todo verdade, mas também não era mentira, então ameacei: – Se eu não fizer, você vai ter que me reprovar por falta. Porque eu não vou aparecer mais.


– Léo... – Ele fez uma pausa, ponderando. – Se está fazendo isso por mim, eu não vou me perdoar, então é melhor desistir agora.
– Eu que não vou me perdoar se você for demitido por minha culpa.


– Isso não vai acontecer! Não vão me mandar embora só por que a garotada quer algo sugestivo e picante pra comentar nos intervalos.
– Você não sabe o quão cruel eles podem ser... Não subestime o corpo discente.


– Eu já fui aluno, sabia? – Ironizou. – E nem faz tanto tempo assim...
– Ah, Yuri eu sei, mas... Você acabou de ser efetivado, estava tão ansioso... E eu posso fazer a matéria semestre que vem, com outro professor.


– Não adianta, Léo! Você não vai me convencer! Sei que não existe nada que eu possa fazer a esse respeito. Você mesma disse, não posso te impedir, mas não me peça pra concordar. Não seria a atitude de um professor.
– Não desperdice seu tempo comigo. Não vale a pena. – Era uma constatação. Pelo menos minha.


– Nunca é desperdício pra mim. – Ele afirmou tão tomado de decepção que o remorso quase me fez desistir de fato. Mas não era momento para fraquejar.


– Mentira, Léo, você não vai fazer isso! Eu não vou deixar!!! – Tatá esbravejava ao meu lado, enquanto eu catava a correspondência na caixa de correio.
– Ah, Tatá, você também, não! Por favor!


– Até parece que o povo vai deixar de falar só porque você trancou a matéria! Afe! – Bufou.
Eu não estava prestando atenção.
– Ah! Ótimo... Telegrama urgente pro Pedro! – Reclamei ao examinar a pilha de envelopes. – Quem é que ainda usa isso em pleno século XXI? Mais um problema pra resolver...


 Entrei em casa com Tatá no meu calcanhar ainda protestando contra a minha decisão.
– O que seu pai vai falar disso, heim, Léo?! Ele não vai gostar nadinha!
– Ele não precisa saber...


– Como vai esconder isso dele?
– Eu duvido muito que ele peça meu histórico a esta altura, Tatá... Eu seria reprovada mesmo, se a Dona Geralda não tivesse sofrido a tal da esquemia... Então...


 Não é que eu não me importasse. Mas eu não tinha muita opção. Liguei para Pedro, para avisá-lo sobre o correio. Tentei quatro vezes para o celular, mas só caía na caixa postal. Tentei também o telefone do maldito alojamento que eles chamavam de república, mas ninguém atendia naquele pardieiro.


– Tatá... – Chamei-o ao desligar o iphone, após perder a paciência. – Que tal darmos um passeio?


Tatá relutou muito, mas eu acabei o convencendo a ir comigo até onde agora era a nova casa de Pedro. O lugar já era deprimente desde o lado de fora. Cores neutras e apagadas em um prédio retangular e sem varandas. Feio e mal preservado.


– Como Pedro consegue morar aqui? – Questionei para mim mesma.
– Não me pergunte, Diva... – Respondeu Tatá.

Eu não esperava que ele tivesse ouvido.


Lá dentro, o odor não melhorava minha impressão. O cheiro de fritura que vinha da cozinha juntava-se ao da umidade do carpete. A mistura me fez espirrar.
– To enjoado! – Tatá reclamou.
– Ok, me espera lá fora, se preferir... Não vou demorar... – Eu não queria mesmo me prolongar ali. Acharia Pedro, entregaria a correspondência e pronto.


Busquei meu irmão onde minha vista alcançava, entre os aros que separavam os cômodos, e o encontrei na mesma sala que eu, escondido atrás de algumas estantes de livros que pareciam terem sido feitas pelos próprios moradores. Ele estava conversando com Luli, perto demais para o meu gosto.


– Pedro! – Chamei. Ele não ouviu, a música tocava em alto volume no estéreo de uma sala ao lado.

Senti alguém se aproximar pelas minhas costas. Achei que Tatá tivesse voltado, mas o perfume que senti – apesar de toda aquela combinação de aromas –, era feminino.


Eu me virei.
– Ora veja, o que o vento trouxe... – Penélope me encarava com uma expressão que beirava a incredulidade.
– A julgar pelo lugar, eu não devia mesmo criar expectativas sobre a recepção...


– Você é tão fútil, criança!
– Acha mesmo que me interessa o que você pensa de mim, Penélope?


– Pergunta de resposta fácil, Leandra... – Ela falou meu nome de propósito, posso jurar. – Já que você nunca se interessou por nada nem ninguém...
– Engraçado você saber tanto a meu respeito... O que você faz, pergunta pro Pedro? Estranho vocês conversarem sobre mim, visto que ele parece gostar muito mais de ocupar o tempo dele com a sua amiga.


Não deu tempo nem d’eu fechar o olho. A mão aberta de Penélope encontrou a maçã do meu rosto com tanta força que fez minha cabeça tombar para trás.
– Não fale do que você não sabe! – Ela urrou.


Meus olhos encheram de água e isso doeu mais que o próprio tapa. Eu estava com tanta raiva que senti ser capaz de matá-la a dentadas. Fechei meus punhos e tentei me controlar.


O gesto aliado ao berro atraiu as pessoas em volta, inclusive Pedro, que parou assustado ao meu lado.
– O que foi que aconteceu?
Eu respirei fundo para dizer de uma só vez:
– Telegrama urgente pra você! – Não consegui evitar que meus dentes rangessem ao falar.


Entreguei o envelope amassado a Pedro e saí correndo antes que me vissem desabar em pranto lá dentro, mas foi impossível suprimi-lo quando bati a porta do carro. Mesmo assim, dei a partida e saí dali.
– Léo! O que houve? – Tatá perguntou assustado.


Eu seguia muda, mas como não estava conseguindo enxergar por conta das lágrimas incessantes, acabei parando no acostamento, alguns metros à frente.
– Me dá... Cinco minutos! – Pedi soluçando.


Enquanto eu chorava, meu amigo passou o tempo que pedi respeitosamente em completo silêncio. Enxuguei meu rosto e indaguei:
– Tatá... Eu sei que estou em dívida com você, e prometo pagar... Mas preciso de mais um favor seu...


– Ô, Diva!!! Você nunca vai me dever nada... Não entende o quanto eu gosto de você, não é? O que precisa de mim? O que tiver ao meu alcance eu vou te dar, mas não aguento te ver assim!
– Eu quero que você me leve na melhor festa que puder encontrar hoje.


Era exatamente daquilo que eu precisava. Gente bonita, música alta e sem sentido tocando sem parar. Bebida e alto astral. Joguei-me na pista de dança e se meus pés não me gritassem por arrego eu não sairia dali jamais.


Tatá encontrou um grupo de conhecidos e eu me sentei no bar. Só me dei conta da minha sede quando estava no quarto copo de Gim Tônica. O barman brincou comigo.
– Vai com calma, loirinha... A noite tá só começando. – Eu sorri, simpática.


Voltei para a pista, desta vez sozinha. Tatá ainda conversava com os amigos. Talvez pelo efeito do álcool, a música parecia ecoar nas minhas entranhas fazendo com que meu corpo bailasse praticamente sozinho. Eu não era mais dona dos meus movimentos.


Um homem se aproximou. Reparei que ele estava na boate desde que havíamos chegado, mas não estava dançando, apenas observando.
– Detesto interromper alguém se divertindo tanto, mas não pude deixar de reparar... Seu amigo foi embora?


Ele tinha a pele cor de jambo e cabelos castanhos muitos longos. A barba cerrada e as sobrancelhas grossas não eram capazes de esconder a beleza de seu rosto. Seus olhos de uma cor indefinida tornavam seu semblante enigmático.

– Ah... Não, ele... Está no bar... Com outros amigos. – Eu não sei dizer se consegui pronunciar as palavras corretamente.


– Oh, me desculpe... Onde eu estava com a cabeça? Quem em sã consciência deixaria uma mulher como você sozinha?
Bom, eu poderia citar alguns nomes. Mas não o Tatá.
– Ah, a gente não tá... Junto... Quer dizer... Somos amigos.


O homem abriu um largo sorriso.
– Então eu posso te fazer companhia? Adoraria dançar com você.


Não tive tempo de pensar na resposta. O moreno escultural já estava movendo seu corpo no mesmo ritmo do meu. A sensação era extremamente prazerosa, e eu me deixar levar.



4 comentários:

  1. Bom... Nem falo no tapa da Pepernóstica...
    Prefiro comentar o quanto a Léo é sortuda por ter nascido bonita e ser um imã pra homens lindos e deliciosos!

    AMO! *.*
    bjosmil!

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  2. Pêpa sequer merece alguma consideração nessa atuh mesmo, Mita! u_u

    Sorte é pouco, ahsuahsuahsuah! Meldels, será que encontro um ímã desses tpra vender? Eu to precisando! Haushaushuash!

    Brigada, more!

    ..: Bjks :..

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  3. To adorando tudooo!! hehe, comecei a ler desde a kachu, mas depois comecei a perder as atualizações e tb ficou bem difícil de acompanhar, mas agora to acompanhando tudo denovo =) Você escreve muito bem mesmo, e as fotos são maravilhosas *-*

    Beijinhoss

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  4. Oi, Vic! Muito obrigada! Fico muito feliz que tenha voltado a acompanhar, agora aqui no blog!!!

    Obrigada de verdade, flor! ;]

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