sexta-feira, 12 de novembro de 2010

XXVII - É o Que É

Durante todo o tempo de nosso passeio, eu senti que alguma coisa estava incomodando Tatá. Ao mesmo tempo, ele parecia não ter coragem o suficiente para perguntar. Depois da demonstração que tivera, era estranho pensar que ele tivesse medo de alguma coisa.


Quando enfim nos sentamos à mesa de sempre em nossa lanchonete preferida, ele pareceu se decidir:
– Você está bem?
– Estou ótima, graças a você... Obrigada.

Não, eu não estava. Eu me sentia horrível, nem queria falar sobre esse assunto, mas queria que meu amigo se tranquilizasse.


– Sabe, Léo, Eduardo é um cretino, mas não é burro. Acho que ele é doente e tem uma visão deturpada do sexo. Se serve de consolo, creio que ele não levaria aquilo até o final...
– Eu penso que ele estava realmente acreditando que eu poderia gostar. No fundo, ele me vê mesmo como uma vadia. – Resignei-me.


– Ele tem algum distúrbio sério... As coisas que ele faz com a Fefê...
– Se ele faz é porque ela deixa! Eu não dou confiança pra ele!


– Não é tão simples assim... Ele invadiu sua casa, não invadiu? Além do mais a Fefê é completamente apaixonada por ele.
– Pelo amor de Deus, Tatá!!! Como alguém pode se apaixonar por um... Um... Afe! – Bufei, ao não conseguir um adjetivo que resumisse o que eu estava sentindo.


– Quem controla esse tipo de coisa, Léo?

Eu sempre pensei que eu controlasse. Sempre. Eu achava que amava David na medida para não o perder e manter nossa relação estável. Não foi suficiente, ou eu errei nos cálculos, ou afinal, não se calcula?


Diante de minha mudez, Tatá continuou:
– Acho que podemos mudar de assunto, não é?
– Por favor...

Isso era mais uma qualidade de Tatá. Estando com ele, assunto para conversa era o que não faltava.


O sol já havia se posto, quando deixava Tadeu em casa. Ao descer do carro, ele voltou a aconselhar:
– Liga pro David... Talvez ainda possa dar certo, Diva...
– Boa noite, Tatá! – Eu sorri ao me despedir.


A casa estava fria, gelada, quando entrei. Eu poderia jurar que também estava sem cor. Pensei em pedir abrigo a Nicole, mas meu medo era nunca mais conseguir voltar. Eu sentia que precisava vencer aquela noite. Seria como a primeira lágrima. As demais fluiriam sem maiores dores.


De banho tomado, revigorada e pronta pra dormir comecei a refletir sobre a sugestão de Tatá. Haveria ainda algum futuro para aquela relação? Resolvi catar meu celular para ligar. Afinal, na noite anterior, ele parecia disposto a tentar também.


Esperei que ele atendesse até o som do toque ser trocado pela gravação da caixa postal. Não deixei recado. Pela hora, David não deveria estar dormindo, e mesmo que estivesse, ele costumava acordar e atender minhas ligações. Claro que a situação era outra agora.
– Eu tento de novo amanhã. – Disse a mim mesma.


Assisti a todas as minhas aulas da manhã no dia seguinte. Tatá até estranhou.
– Pulgas? Não vejo outro motivo pra você ter pulado da cama tão cedo... – Chacoteou.
– Engraçadinho...


– Ligou para o David?
– Liguei, mas não consegui falar... Depois a gente conversa. A professora tá olhando...


Almoçamos na mesma lanchonete, desta vez, acompanhados de Geórgia e Augusta, que não parava de segredar coisas ao ouvido da amiga visivelmente constrangida com a situação.


– Eu não precisava ter vindo, Guta. Se queria me privar do seu assunto podia ter me avisado e eu arrumava outra companhia pro almoço.
– Ai, Léo... Você reclama de tudo, já reparou? Deve ter sido por isso que o David te largou!


Estava demorando para eu escutar a primeira gracinha sobre isso. Só não podia esperar que viesse de alguém que dividia a mesa comigo. Durante meio segundo refleti se deveria responder ou não, tempo suficiente para Tatá falar por mim:
– Guta, aqui, toma esse guardanapo e seca o veneninho que tá escorrendo aí no cantinho da sua boca, vai! Antes que você mesma seja vítima dele.


Pelo comentário de Augusta, eu já podia ter uma prévia do que iria enfrentar em no meio acadêmico. Sabe Deus o que aquela guria dos pompons e as suas “amiguetes” que assistiram a cena, haviam espalhado por aí.


No momento em que saíamos, encontramos Pedro chegando junto com Neto. Agradeci por ele não estar com a Penélope, nem ninguém da República onde estava morando agora, mas lamentei a idéia de ter que mudar de restaurante. Sei que havia probabilidade de um encontro indesejável acabar acontecendo. No Campus, aquele também era o restaurante preferido de Pedro.


– Oi, Léo... – Meu irmão me cumprimentou, meio sem jeito.

Porque ele estava embaraçado se a decisão de ir embora foi dele?
– Oi. – Foi a única coisa que consegui dizer. Eu senti um bolo na minha garganta, e torci para que não fosse minha refeição.


– Léozinha! – Neto exclamou num abraço. Ele era a única pessoa que me chamava assim. Eu achava engraçado, mas não de um jeito ruim.
– Tudo bem, Neto? Como foi a viagem?


– Putz, Léozinha, tudo de maneiro! O lugar é chocante, apesar d’eu preferir a praia... Mas o friozinho dá mais vontade de um cobertor de orelha, e eu grudei no meu! Nicole adorou, então pra mim, valeu cada minuto.

Neto era mesmo um querido. Sorte da Nick.


– E você, garota? Tá bem? – Ele devolveu a pergunta.
– Estou ótima! – Era mentira, claro, mas achei ser essa a melhor resposta a dar naquele momento.


O clima pesado fez com que eu me adiantasse ao mesmo tempo em que acenava em despedida. Senti que Pedro me acompanhava com seu olhar até ouvir a voz de Augusta:
– Estou com saudades, Pedro... Vê se me liga qualquer hora destas... Você não perdeu meu número, perdeu?


Apertei o passo em direção a saída, tentando segurar o refluxo que vinha do meu estômago. Porque tudo ligado a Pedro me atingia dessa maneira? Deixá-lo ir embora talvez tenha sido a primeira decisão acertada que tomei, então.


Naquela tarde, combinamos de fazer um trabalho de grupo, mas precisávamos debater sobre o assunto, portanto não seria apropriado usarmos a biblioteca. Optamos pelo jardim do Centro Acadêmico.


Eu não estava prestando muita atenção. Não só porque poucas vezes assisti as aulas – e, portanto, não sabia quase nada do tema em questão –, mas principalmente porque eu estava dispersa, atônita e sem nenhuma disposição.


Pedi licença e levantei para buscar um café. Havia um aglomerado de pessoas no local, o que me fez desistir. Mas eu não queria voltar. Fiquei irritada comigo mesma por esses surtos tão infantis e sem sentido! Encontrei uma mesa desocupada na praça e me acomodei.


Baixei minha cabeça, derrotada. As coisas precisavam mesmo acontecer em efeito dominó? Primeiro David, agora Pedro. O que de repente deu errado para eu estar repelindo o mundo? Então senti que alguma coisa tapou o sol que batia na minha cabeça.


Olhei pra cima para deslumbrar meu professor de sociologia. Ele estava mais bonito? Isso seria impossível... Devia ser efeito da luz natural do sol, batendo nos cabelos louro-acinzentados dele.
– Algum problema, Léo?


O que era aquilo? Estava escrito na minha cara agora?
– Não... É... Só esse calor... – Respondi engasgando. Não convenceria nem meu próprio pai.
– Hum, sim... Você se importa se eu me sentar aqui com você?


Mas Yuri nem me esperou responder.
– Sabe, Léo... Eu vejo tanto potencial aí dentro! – Disse com resignação, apontando pro meu colo. – Não entendo como não consegue canalizar isso a seu favor.


Eu estava me preparando para iniciar uma dissertação acirrada em minha defesa, mas uma cena desviou minha atenção. Provavelmente vindo do campo de futebol – pois os dois ainda vestiam uniformes –, David surgiu abraçado com aquela mesma criatura que vi, na semana anterior, montada em suas costas.


E ali mesmo no pátio, na frente de meio mundo, deu-lhe um beijo daqueles que só se vê no cinema, um beijo daqueles que ele costumava me dar. Eu fiquei petrificada. Tinha certeza que minha boca devia estar entreaberta, mas não conseguia fechá-la.


Senti o rosto de Yuri girar a procura do local onde meu olhar se congelou. Estava tão evidente que não durou um segundo completo, mas tudo parecia um filme de muito mau gosto, em câmera lenta.


Apertei os olhos na tentativa de perceber que estava sendo vitima de minha própria imaginação, então pisquei continuamente, para acreditar que tudo aquilo não passava de um medonho pesadelo. Nem uma coisa, nem outra, então os cerrei novamente.


– Vem, Léo. Vamos sair daqui. – Eu ouvi a voz do meu professor e senti suas mãos me puxando, mas não tinha coragem de abrir os olhos.

Meu subconsciente agiu rápido demais e criou a imagem dos risos de escárnio no rosto de cada um que se encontrava ali, mesmo que eu estivesse momentaneamente cega.


Só consegui abrir os olhos quando se fez silêncio. Eu não sabia onde eu estava, mas eu não estava sozinha. Yuri estava sentado em uma dessas cadeiras de escritório, com rodízios, e olhava pra mim.
– Você quer uma água?


Meu professor levantou e se aproximou. Olhei ao redor e não reconheci o ambiente onde eu estava.
– Onde é que... O que é isso aqui?
– Esta é minha sala, Léo. Você precisa de alguma coisa?


– Eu... Não sabia que professores substitutos tinham sala...
– Isso é porque eu não sou mais substituto. Eu ganhei a vaga. – Ele deveria estar feliz, mas não havia entusiasmo em sua voz. – Soube ontem.


– Ah! Desculpe! Não estou no clima pra comemorar...

Yuri ignorou minha piada sem graça e fora de hora:
– O que posso fazer por você?


– Me matar? – Sugeri. Não deve existir nada pior no mundo do que a gente sentir pena de si mesmo.

Ele continuou desconsiderando minhas palavras, mas ainda me encarava:
– Quer que eu te leve em casa?


– Porque você se importa comigo? – Eu não sei por que fiz essa pergunta, mas eu já tinha me acostumado a não agir com coerência quando estava ao lado dele.
– Porque eu não me importaria?


Yuri se acomodou ao meu lado num movimento rápido.
– Eu queria te pedir desculpas.

Do que eu teria que perdoá-lo? Se ele tinha acabado de me resgatar do que poderia ter virado o “momento chacota do ano” da universidade.


– Ontem, quando fui até sua casa, eu saí aborrecido, por fazer um julgamento errado, do motivo de você ter faltado aula.
– Ah! – Foi só o que consegui pronunciar.

Eu tinha certeza disso, nunca imaginei dele descobrir. Nem deveria me importar, realmente. Então, porque eu estava incomodada?


– Eu não te dei a chance de explicar.
– Não se culpe. Eu pensaria a mesma coisa, no seu lugar...


– É o que estou querendo mostrar, Léo... Antes de deduzir algo, antes de tomar qualquer atitude, escute o que o David tem a dizer primeiro.

Eu não queria ouvir aquilo, ele enlouqueceu? O que tinha para ser escutado, quando aquela imagem do pátio não me saía da cabeça?
– Estou pronta pra ir pra casa agora, Yuri, por favor.



2 comentários:

  1. Só posso dizer uma frase: David safado, crettino, imbecil e idiota!
    Sei lá se é frase mesmo... rsrsrsrsrsrsrsrsrsrs

    AMO!
    bjosmil! *.*

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  2. Haushaushauhsuahsuahsauh! Também não sei, mas concordo! kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk
    Thanks, Mita! XD

    ..: Bjks :..

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