segunda-feira, 25 de outubro de 2010

XVI – Doce Lar

Não sei por que Pedro resolveu começar sua tortura logo cedo, ao me convencer de irmos todos no mesmo carro. O argumento era que não tinha cabimento 2 automóveis poluindo o planeta se cabiam todos em um só. Apelar para os bichinhos e plantinhas era golpe baixo.


Desnecessário dizer que meu mau humor novamente atingiu níveis alarmantes. Eu estava com vontade de esganar um e beber o sangue de outro. Eu só livraria o Zeca, porque ele não é muito expressivo. Então nem sei o que pensar dele.


Eu só posso mesmo agradecer por ela não ter dado um pio durante toda a viagem. Em compensação pude fitar sua expressão pelo espelho retrovisor. A visão era restrita, mas suficiente para perceber que ela estava gostando daquilo tanto quanto eu. Pedro também não deve ter-lhe contado alguma parte da história, provavelmente aquela em que eu estava incluída.


Quando descemos na porta da casa do papai, pude ouvi-la resmungar entre dentes:
– Você me paga, Peu!

Odiava quando ela o chamava assim. Parecia fazer questão de mostrar sua intimidade com ele. Idiota.


Dei um longo abraço no meu pai. Eu estava com muitas saudades. Praticamente desde o início do ano letivo eu não havia estado com ele. Pouquíssimas e curtas visitas ou conversas ao telefone.
– Minha Princesinha! O castelo não é o mesmo sem você!

Olhei de relance para Penélope. Esperava ver o sarcasmo impresso em seu rosto, mas não. Ao contrário, parecia enternecida, e isso só me deu mais raiva.


Meu pai sempre me mimou. Após a morte da mamãe ainda mais. Apesar de bem grande e confortável, não havia nada de castelo em nossa casa, muito menos alguma coisa de princesa em mim.
– Entrem, como estão? – Papai cumprimentou cordialmente as visitas que ele já conhecia há tempos.


Depois abraçou Pedro, com quase todo carinho que me dispensou.
– E aí, gurizão! Tá forte, heim? – Observou. – O que anda fazendo além do futebol?
– Distribuindo socos. – Respondi apenas para provocar.


Dr. Olívio olhou para o meu irmão preocupado, mas ele respondeu rapidamente.
– Só no meu saco de areia, Olívio... Embora tenha muita gente precisando tomar umas bolachas... – Provocou-me de volta.

Eu dei de ombros.


– Onde está minha mãe?
– Na cozinha... Sabe como ela faz questão de acompanhar de perto as tarefas domésticas, ainda mais quando vocês veem almoçar.


– Sei... – Pedro respondeu exibindo o sorriso sempre tão doce quando se referia a sua mãe.

Minha madrasta sempre teve o hábito de recepcionar as visitas, junto com papai. Não estava a porta desta vez.


Mas como que pressentindo a chegada de seu filho, Dora surgiu na sala. Mesmo à vontade e evolvida com tarefas cansativas de cozinha, ela estava impecavelmente apresentável. Como uma mulher que levou uma vida tão dura, conseguia parecer tão jovem? Como uma mulher tão sem berço, conseguia aparentar tanta classe? O olhar de admiração de meu pai era arrepiante.


– Pedro! – Ela o envolveu em seus braços, como devia fazer desde que o filho nascera. – Estava com tanta saudade...
– Oi, mãe... – Ele respondeu meio sem jeito. – Eu também...


Dora voltou-se para mim, repetindo o gesto carinhoso.
– Léo, querida... Você está cada vez mais linda.
– Eu tenho em quem me inspirar, não é?

Estranho, uma mulher como ela corar com meu elogio.


– David não quis vir? – Dora fez a pergunta que eu não queria responder.

Meu pai me olhou com ansiedade, e Pedro se adiantou:
– Ah, ele tinha segunda chamada de algumas provas, mas lamentou profundamente. Talvez num próximo. – Meu irmão mentiu em meu lugar, poupando-me de ter que dar explicações.


Não, eu nunca tive o hábito de falar abertamente das minhas relações em casa. Ninguém me proibia, mas achava minha libido exagerada para o entendimento do meu pai. Eu também duvido muito que ele gostasse de ouvir. E apesar de toda compreensão de minha madrasta, não me sentia íntima o suficiente.


A comida de Dora nunca era menos que saborosíssima. Uma pena que a companhia à mesa estava me causando uma enorme indigestão. Menos mal que Penélope deveria estar na mesma condição, presumi por sua feição. Porque Pedro submeteu a nós duas essa tortura desumana?


Quando ela levantou, após terminarmos, oferecendo-se para ajudar a retirar os pratos da mesa juntamente com Pedro, apesar de termos pessoas contratadas pra fazer esse trabalho, minha paciência se esgotou.
– Papai, me empresta o seu carro? Pedro me obrigou a vir no dele...


– Claro, Léo! Mas você vai sair agora? Achei que jogaríamos carta...
– O jogo não pode ficar para noite? Lembrei que meu hidratante corporal acabou e não durmo sem passar, se não acordo igual a uma uva passa. – Menti, embora a parte da uva passa fosse verdadeira, mas precisava sair dali agora, antes que tivesse um ataque.


Meu pai riu.
– Você é tão exagerada, querida! Tudo bem, carteado à noite então...
– Obrigada, papai!


Antes de sair, ainda liguei para Nicole. Ela sempre era minha tábua de salvação. Mas descobri com frustração que minha melhor amiga estava passando o fim de semana com Neto num chalé nas montanhas. Uma pequena surpresa de seu namorado por conta da semana em que ficou ausente. Morri de inveja.


Peguei o carro e saí dirigindo sem um rumo certo. Nem vontade de fazer compras eu sentia e isso era muito estranho. Eu devia ter rodado por aproximadamente uma hora, mesmo tendo a impressão de que passara mais de uma vez pelos mesmos logradouros.


Até que um lugar me chamou atenção. Era uma pracinha, daquelas com parquinho e coreto. Balanços e escorregadores, os tipos de brinquedos que poucas crianças curtem hoje em dia. Mas reconheci naquela, o local onde meu pai me levou várias vezes pra brincar quando eu era pequena.


Estacionei o carro e desci disposta apenas a sentar em um dos bancos e espairecer. Mas minha mente continuava focada no resto do dia que teria pela frente, e ainda o domingo e a volta para a UFEB. Todos marcados pela presença irritante de Penélope.


A sensação incômoda da primeira lágrima voltou a me atormentar. Mas logo em seguida, meus pensamentos foram interrompidos por uma voz infantil, que mal conseguia pronunciar as palavras corretamente:
– Tá “tiste”, moça?



2 comentários:

  1. Não podia sair boa coisa, né? Léo e Pepernóstica na mesma casa?! Aff
    Só o Pedro mesmo...
    Aaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa
    Coisa mais fofa de chiquinhas!!!!!

    AMO!!!!
    bjosmil *.*

    ResponderExcluir
  2. Léo tolerância Zero, Pêpa intragável, hauhsaushauhsuah! Bem feito pro Pedro, quem se ferra é ele mesmo! u.u

    Obrigada!

    ..: Bjks :..

    ResponderExcluir