terça-feira, 19 de outubro de 2010

XIV – Satisfações

Acordei achando que aquele estrondo alto e surdo fosse uma bomba de fabricação caseira explodida por algum aluno revoltado com o sistema de bandejão. Mas era o meu namorado esmurrando minha porta.
– Lééééééééo! – Escutei seu urro. – Se você não abrir agora eu vou derrubar!


Levantei num pulo e corri para abrir, afinal aquilo era madeira nobre. David estava parado, enorme, parecia pegar mais ar que o necessário. Ao lado dele estava Pedro, com a expressão de quem estava completamente perdido na situação.


– Calma, David... – Pedi.
– Como calma?! Você some, eu passo a tarde toda te ligando e você não atende o telefone. Eu chego aqui, você está trancada neste quarto! E não responde!


Eu achei que ele estaria preocupado, mas seu tom era de desconfiança e raiva.
– O que pensou que ia encontrar no meu quarto, David?
– Eu não sei! Mas talvez você tenha alguma coisa pra me contar de sua tarde de ontem!


Ao ouvir aquela declaração acintosa, Pedro virou-se e entrou em seu quarto, fechando a porta. Eu imagino todos os motivos para ele não querer participar daquilo. Lamentei que ele estivesse em casa.


– Não faça insinuações, David. Diga o que está pensando, o que viu ou o que te falaram, não gosto de jogos de adivinhação.
– Você passou a tarde toda com o professorzinho novo? Aquele por quem todas as mulheres do Campus resolveram pirar?


– Eu apenas aceitei um convite para almoçar, amor. Yuri é primo da Nicole. Além do mais ele é casado!
– Você não podia ter me falado?! Eu fiz papel de palhaço!


– Nunca pedimos permissão antes para almoçarmos com amigos, David...
– É diferente! Eu nem sabia que o cara era seu amigo, aliás... Quem no campus sabe?

Yuri não era meu amigo ainda, mas parecia querer ser. Mesmo assim, não havia nada para ser fofocado ali.


Ele continuou:
– E o mulheril está frenético com ele... Virou o assunto do momento e você me sai do Campus com ele!

Talvez devêssemos ter almoçado mesmo na faculdade. Seria mais “assumido”. Eu realmente ligava pra minha reputação. Sempre liguei. Aquilo me aborreceu.
– Esse povo adora falar o que não sabe...


– Mas eu tentei falar com você, saber de você... Você não me atendeu! Pedro disse que se trancou no quarto e nem a ele você respondeu? O que queria que eu pensasse?
– Que tal que eu pudesse estar triste e precisando ficar sozinha?


– Loira, você não está me traindo, está?

A pergunta de David acabou com o que restava do meu humor.
– Quando foi que te dei motivos pra você pensar isso de mim? Eu estou aqui me explicando pras paredes? Porque não entra no meu quarto e olha embaixo da minha cama? Ou talvez dentro do armário!


David baixou a cabeça, no fundo concordando que havia exagerado. Mas ele sempre ficava exaltado quando o assunto era traição. Tanto pelo ciúme que sentia de mim, quanto pelo seu orgulho varonil.
– Desculpe, gata.


Fiquei em silêncio. Claro que eu o perdoaria. Mas minha vontade era deixá-lo sentir um pouco mais o quanto fiquei ofendida.
– Por favor... – Implorou.


Meu namorado se aproximou de mim devagar e afagou meu rosto. Ele sabia que quando me tocava era difícil me concentrar.
– Eu viro seu escravo, se você quiser...
– Sério?


– Faço tudo que você quiser.

Essa apelação era demais pra mim. Porque ele tinha que ser tão lindo e quente?


Colei minha boca na dele, sem precisar de palavras para ele entender que havia sido perdoado.


– Eu não vou esquecer essa promessa, amor... – Ameacei carinhosamente. – Eu vou te maltratar muito...
– Eu vou adorar, loira!


David se despediu prometendo que à noite, me levaria a um lugar onde eu pudesse soltar minha imaginação de algoz. A idéia toda me deu um novo ânimo e eu até resolvi frequentar a aula de laboratório da manhã.


À medida que as horas passavam minha excitação com a eminente brincadeira aumentava e achei que David merecia um presente pela idéia. Passei em sua loja preferida e comprei um tênis que ele namorava há séculos.


Mandei embrulhar pra presente e fui direto para o estádio, onde eu sabia que ele estaria treinando na parte da tarde.


Deixei o presente no carro e desci. Minha intenção era fazer uma surpresa. Ao invés dele passar na minha casa e me pegar, eu o pegaria no treino, ele abriria o presente no carro, enquanto eu o conduziria ao nosso destino.
Mas ao entrar no gramado quem teve uma surpresa fui eu.


Ainda demorei a identificar o que acontecia no campo. Não que a visibilidade fosse ruim, mas minha mente não queria acreditar no que meus olhos perfeitos me mostravam.


Nem David nem Pedro ou algum dos outros rapazes do time parecia ter notado minha presença. Pendurada nas costas do meu namorado, andando de garupa, estava uma das cheerleaders. A morena, que sempre deu em cima dele, exibia um sorriso de quem nunca tinha participado de uma brincadeira tão excitante.


Pedro parecia não dar bola. Instintivamente, levei a mão até meu peito, repleto de uma raiva que eu nunca havia experimentado, como se dessa forma pudesse evitar que ela fugisse e atingisse mortalmente alguém.


Eu virei de imediato pelo caminho que tinha vindo. Queria evaporar, como se faz isso? Alguém deve ter me visto e avisado ao David – ou talvez ele mesmo tenha sentido as batidas dos meus pés na grama, tamanha força que eu impunha em meus músculos da perna – porque ouvi ele me gritar:
– Hey, loira! Pera aí!


Não parei. Continuei avançando em direção ao meu carro, mas minhas pernas pareciam mais pesadas que o normal. Eu estava num pesadelo? David me alcançou.
– Léo! Hey! Espera!


Quando sua enorme mão quente e suada tocou meu braço, eu me virei.
– Não encosta em mim, David! Eu estou com nojo!
– Loira, quê isso? A gente tava só brincando.


Eu virei minha cabeça pra ver o sorriso largo de satisfação no rosto da “piriguete”. Ela tinha conseguido o que queria.
– Você não espera mesmo que eu discuta isso aqui com toda essa platéia?
– Tudo bem, tudo bem, eu te levo pra casa a gente conversa lá...


– Você não vai me levar a lugar nenhum David. Eu estou de carro e vou sozinha. E não ouse vir atrás de mim!
– Não faz assim não, loira... Eu te adoro...


Estava tão concentrada em não ter um chilique ali na frente de todo mundo que não percebi a aproximação de Pedro.
– Eu levo ela, David, Pode deixar...
– Eu não preciso que ninguém me leve a lugar nenhum. Eu tenho habilitação sabia?


– Não quero que você dirija nervosa desse jeito.
– Eu não estou nervosa, nem pedi sua opinião! E você agora se preocupa comigo?


Eu me dei conta que estava perdendo o controle. Nunca fui de discutir, muito menos em público, mas me peguei batendo boca no meio do campo de futebol, então me calei.


Dei as costas aos dois e retomei meu caminho de volta ao carro, mas senti que Pedro estava me seguindo. Azar o dele.
– Me deixa dirigir, Léo.

Eu não respondi.


– Cara, que mulher teimosa! – Ele pensou alto ao bater a porta do carona.
– Desce do carro, Pedro! – Ordenei.


– Eu não vou descer, portanto ou você me tira a força, ou dá a partida.
– Foi você quem pediu! – Ameacei com um riso cínico.


Liguei o carro e pisei fundo no acelerador, mas àquela velocidade com certeza chegaria em poucos segundo em casa. O campus ficou pequeno demais, eu saí e peguei a estrada.
– Onde estamos indo? – Pedro perguntou. Tentava aparentar uma calma que não possuía.
– Lugar nenhum.


– Ah, tá! Você está apenas tentando nos matar... – Sua voz ganhou um pouco mais de emoção.
– Eu falei para você sair do carro.


– Por que está descontando sua raiva em mim?
– Está aqui porque quis! “Anyway”, você foi cúmplice esse tempo todo! Como pôde fazer isso? – Ao fazer a pergunta senti a dor familiar da primeira lágrima novamente.


Mas foi a única que deixei. Aquilo estava começando a ficar frequente demais. Meti o pé no freio, quase causando uma batida na traseira do meu Citroën.
– Como pôde assistir impassível essa traição de David? Era a esse tipo de diversão que você se referia aquele dia no restaurante, não era?


O motorista atrás de mim, desviou e passou ao meu lado me xingando. Ignorei. O que Pedro dizia era mais importante:
– Léo... Você acha mesmo que David iria te trair logo na minha frente? Por favor, raciocina... Sei que você não gostou do que viu, mas era só uma brincadeira.


– Brincadeira, Pedro? Que outras espécies de brincadeira vocês fazem com as meninas?
– Olha, Léo, não venha de crítica pra cima de mim, ok? Eu não tenho compromisso com ninguém, diferente de David e Neto, então me enfie no mesmo saco, tá legal?


– Tá vendo! Você também acha que não é a mesma coisa!
Pedro elevou o tom de voz:
– Não estou falando nada disso! Estou só dizendo que não sou seu namorado! Não desconte em mim! Já disse que estava lá, e não vi nada demais.


Meu irmão abriu a porta e saiu.
– Pedro! – Exclamei aturdida. Nem sabia dizer onde estávamos.


Larguei o carro no acostamento de qualquer maneira para correr atrás dele.
– Onde você vai?
– Sei lá, qualquer lugar! Que diferença faz?


– Não seja idiota, estamos no meio do nada! Entra no carro... – Ordenei.
– Obrigado, mas não! – Debochou. – Do jeito que está dirigindo, estou mais seguro aqui fora!


Estava tão aborrecido que eu só encontrei uma maneira de não ter que abandoná-lo ali sozinho:
– Eu deixo você dirigir.


O sol estava se pondo durante o percurso de volta para casa, e o toque personalizado de David não parou um só minuto de soar no meu iphone.
– Você não vai atender? – Meu irmão perguntou impaciente.

Eu não respondi.


Antes de Pedro estacionar, pude ver que meu namorado estava plantado nos degraus da sacada da entrada de nossa casa, me esperando.
– Não acredito! – bufei!
– Você jura que não esperava que ele estivesse aqui?


– O que aconteceu? – Ele perguntou aflito. – Eu vim a pé e cheguei muito antes de vocês!
– Tá tudo bem... – Pedro respondeu caminhando para dentro de casa, com a clara intenção de deixar-nos a sós.


Como eu fiquei com raiva! Porque Pedro não xingava David pra me defender? Eu acho até que ele merecia um soco.
– Loira... Eu juro... Nunca fiquei com a Tina...
– Ah, olha! Ela tem nome!


– Não fala assim, amor... Você nem conhece a garota...
– Não preciso conhecer... David... Nem quero, era só o que me faltava!


– Léo, presta atenção, você acha que eu iria te trair na cara do teu irmão?
– É! Ele disse a mesma coisa a seu favor... – Respondi já irritadíssima.


– Então, amor, pára de ciúmes bobo, vai!

Eu contei até dez.
– Ciúmes bobos? Você quase derruba minha porta de cedro hoje de manhã por causa de um almoço. Imagine se você me encontra andando de “cavalinho” nas costas do meu professor de sociologia, David!


– É diferente, loira!
– É diferente porque sou eu, é claro! Tente entender como me senti! Não tem nada a ver com ciúmes... A guria tava lá, toda feliz nas suas costas... Sentindo-se vitoriosa inclusive por eu ter visto a cena... Eu devia ter perguntado se ela queria um chicote...


– Você está exagerando, Léo... Ela não riu de você...
– E como você poderia ver se ela riu ou não?! Você agora tem olho na nuca?


David ficou em silêncio sem saber o que responder. Eu baixei o tom de voz e completei, menos exasperada:
– O que te faz pensar que essa cena não virá a minha mente toda vez que você tiver treino? E considerando que isto é todo dia? Heim?


– Não pense, Léo! Foi uma brincadeira, eu já disse, mas se você não quiser isso não vai acontecer de novo.
– Não funciona assim, David. Eu to com muita raiva...

Não era raiva exatamente. Era um sentimento de derrota. Mas não queria dizer isso, nem saberia explicar.


– Não faça isso, loira... Eu te adoro. Nenhuma mulher neste Campus todo é mais bonita que você. Porque eu olharia para alguém?

Ah, a mais bonita, claro. Isso explica muita coisa.
– Eu não sei... Me dá um tempo, tá legal? Eu preciso pensar.


Não dei oportunidade para David responder. Virei e caminhei para dentro de casa. Não olhei para trás, mas tenho certeza que meu namorado ficou parado ali um bom tempo, tentando digerir a idéia, ou apenas esperando que eu mudasse de idéia. Ao subir os degraus percebi que Pedro nos observava da janela.


Dei alguns minutos para ele, antes de entrar em seu quarto.
– Qual é o grau de intimidade de vocês com essas... – Eu sempre tinha dificuldade em não falar um palavrão. – Gurias?
– Eu já disse pra você não nos comparar... São coisas diferentes. Também já disse que não acredito que David tenha te traído com nenhuma delas...


– Mas isso é o que você vê nos treinos... E fora deles?
– Fora deles, normalmente David está na aula, ou com você!


– E nas viagens?
– Léo, eu não sou babá do David! E divido o quarto com o Neto... Porque isso ia me interessar?


– Por que eu sou sua irmã, e ele é meu namorado!
– Exato! Você disse tudo! Ele é SEU namorado, não meu...


– Você já dormiu com alguma delas?

Pedro fez uma careta.
– O que isso tem a ver? Não estou entendendo!


Eu sabia meus motivos para perguntar, é claro! Mas não havia forma de explicar para Pedro, que eu sentia uma necessidade irracional de avaliar as mulheres com quem ele saía.
– Bom, você tem o hábito de sair com mulheres ordinárias, eu estou querendo saber em que terreno estou pisando...


Pedro puxou ar. Mais do que o necessário. Quando ele respondeu, parecia tão aborrecido que não sei dizer se ele falou a verdade ou se mentiu, mas com certeza, sua intenção era me chocar:
– Com todas as três. Algumas vezes juntas. – E sorriu com ironia.


Saí do quarto mais chateada do que quando eu entrei, fazendo uma força absurda para tirar da minha cabeça a imagem de Pedro sendo assediado por três garotas de pompons. Não consegui.



2 comentários:

  1. Ela briga com o David e a imagem que fica é do Pedro com as cheeleaders? huashuashuashuashuashuashuahuash

    Amo muito!
    bjosmil *.*

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  2. Será porque, heim? .lala.
    Haushuahsuashuash!

    Obrigada, bjks

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